quinta-feira, 1 de maio de 2008

Coitado do Chiquinho e de tantos outros

O nome é fictício, os fatos, não.

Estava em minha casa, já acomodado para dormir, quando alguém bate à porta.

Era um conhecido. Alguém tinha acabado de roubar as cadeiras de balanço de sua casa.

Queria saber de mim se naquela rua morava o Chiquinho, rapaz viciado em drogas e que furtava para manter o vício. Fui professor de história de Chiquinho, tinha uma inteligência invejável. Que pena, trilhou o caminho da angústia.

Disse ao conhecido que o Chiquinho morava ali, sim. Perguntei por que ele queria saber.

"Doutor, esse cabra sem-vergonha roubou minhas cadeiras de balanço, estou indo da parte dele na delegacia."

"Alguém viu?", interroguei.

"Não, ninguém viu, mas foi ele."

"Como você pode dizer isso?", exaltei a voz.

"Ele é o único ladrão dessa área, doutor", respondeu-me.

" Pois vou lhe dizer um coisa, camarada, o Chiquinho, todos da rua sabem, está preso há mais de mês".

"É verdade, doutor?", perguntou, admirado.

"A pura", disse-lhe.

"Meu Deus", falou espantado.

Depois disso foi embora.

Quantas pessoas não são injustamente acusadas, só por causa de seu passado?

Sempre alertamos aos jurados: julguem os fatos do processo, não julguem os antecedentes do acusado. O nosso ordenamento criminal consagra o direito penal dos fatos e não do autor.

O pretérito de uma pessoa serve apenas para medir a quantidade de pena que será imposta, depois de provada a autoria do delito, com fatos reais. Não serve para demostrar o crime, substituindo a prova dos acontecimentos.

Essa lição não se aplica apenas no processo criminal, mas em todos os momentos da vida que somos chamados a julgar nossos pares. E temos por dever julgar decentemente.

"Ó justiça, tu me és tão cara como as gotas de sangue que visitam o meu coração", clamava Shakespeare.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei da citação de Shekespeare, é o meu dramaturgo favorito, pois como ninguém o cadáver das paixões humanas: o medo, o amor, a verdade e a justiça.
Infelizmente na maioria das vezes somos dominados por essas paixões e acabamos não agindo com racionalidade.
Não amamos verdadeiramente por medo, somos injustos procurando a verdade na superficie da aparencia.