segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Resiliência: uma qualidade dos vitoriosos

Minha esposa Neydeanne, estudante de psicologia, me perguntou se eu sabia o que era resiliência. A pergunta seria um teste para ver, segundo ela, se eu tinha realmente um vocabulário amplo.

Na advocacia, no tribunal do júri, espaços acirrados de luta de ideias, é a resiliência uma nobre qualidade a se cultivar. Pensando nisso respondi a minha esposa:

- Resiliência é resistência.

Ela falou que o significado era outro. Que estava estudando o assunto na faculdade. E explicou que resiliência é a capacidade do indivíduo de superar, com espírito positivo, os obstáculos, as dificuldades, as crises, as encruzilhadas.

- Então, tudo isso é resistência às pressões, às tempestades, às procelas da vida, resiliência é prova de fogo, se passar sobe um degrau rumo aos céus - complementei.

Uma pessoa resiliente é uma pessoa inteligente. Aproveita as dificuldades para crescer, para amadurecer, para progredir. E é inteligente exatamente porque sabe que isso faz parte do seu desenvolvimento pessoal.

É a resiliência uma qualidade do espírito forte e resistente. É uma qualidade que diferencia os vitoriosos daqueles que fazem da vida um muro de queixas, resmungos e lamentações.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Roberto Duarte: um homem talhado para a advocacia

Roberto Duarte tinha uma imagem talhada para a advocacia: porte alto, aristocrático, bigode vasto, voz bem colocada, e uma certa imponência natural que brotava de seu jeito de ser.

Além desses atributos externos, Roberto Duarte era um advogado destemido. Certa vez o vi sustentando um Hábeas Corpus como um leão indomado - a beca lhe caía bem - dizendo a Câmara Criminal certas coisas que só os advogados seguros de si e conscientes de sua missão são capazes de dizer. Falei comigo mesmo: "Esse realmente é advogado". Quando terminou sua oratória fiz questão de parabenizá-lo no meio do julgamento, de forma larga e efusiva, com os olhares atentos dos julgadores. Ganhou o Hábeas!

Viveu da advocacia, e seu nome era respeitado. Dizem que nesta profissão o nome é tudo. E é verdade, deixando os exageros de lado. Mas o nome forte na advocacia não é dado gratuitamente. Só se consegue com o tempo, com dedicação, com zelo, com competência, com entusiasmo, com persistência.

A toda família Duarte, e em especial ao seu filho Roberto Duarte Júnior, que tem sua própria luz para levar adiante a tradição profissional de seu pai, meu reconhecimento aos importantes serviços que ele, Roberto Duarte, prestou a advocacia acreana, honrando-a como um nobre.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O júri vê o âmago das coisas

Ontem estivemos atuando em mais um júri popular. O estagiário Isaac Freire teve sua primeira participação. Mostrou que tem talento e que pode desenvolvê-lo, até alcançar degraus elevados na profissão. Marcos Paulo, acadêmico de direito do 3º período da FAAO, convidado por mim, assistiu a tudo com muita atenção e encantamento. Nostradamus França registrou o caso.

O réu foi acusado de tentativa de homicídio qualificada pela torpeza. O tiro que desferiu contra a vítima, por ciúmes, não a acertou. A vítima, ainda na delegacia, perdoou seu algoz. Mas mesmo assim o inquérito e o processo seguiram adiante, já que nesses casos de ação pública incondicionada nem mesmo o perdão do ofendido põe fim ao processo.

Isso é o que a lei diz, o Código Penal, no seu artigo 100. No entanto, o júri está além da lei. Todo poder emana do povo. E o povo que está ali, representado pelos sete jurados, podem usar esse poder diretamente para decidir o que é justo e o que não é, independente de disposições legais, baseando o veredicto no seu aguçado senso de justiça e na sua elevada clareza de consciência.

Ao fazer a minha defesa peguei o livro Júri Sob todos os Aspectos, de Rui Barbosa, e fiz uma citação de Barret, um conceituado juiz americano, falando a respeito da sagacidade do júri e de sua maneira justa de ver as coisas: "O júri chega ao fundo e ao âmago dos fatos muito melhor do que nós, juízes togados".

E o júri pôde ver melhor do que ninguém a realidade dos fatos. Que ouve um tiro, e que esse tiro não foi dado para acertar, mas para assustar, e que o acusado estava dominado pelo ciúme ao ver sua mulher conversando com outro homem em circunstâncias suspeitas, que a própria vítima o perdoou, dizendo ser o réu um homem bom, que aquilo foi algo isolado na vida dele, que não restou sangue, órfãos, viúvas, choros, revoltas. Tudo isso o júri colocou na balança da justiça para absolver o acusado, para perdoá-lo também, tanto de tentativa de homícidio quanto de disparo de arma de fogo em via pública.

Qual o sentido de uma condenação nesse caso, a quem interessaria? O objetivo da justiça é trazer a paz. E todos já estavam em paz, vítima e réu. Coube ao júri sentir isso, mergulhando no âmago das coisas para ver a essência. Seguiram a mensagem de Jesus, que disse aos seus discípulos aflitos, que se encontravam longo tempo no mar em busca de alimentos, mas sem nada pescar: "Avancem para águas mais profundas". Nessas águas mais profundas encontra-se o que nós procuramos, o pão de cada dia, que também é a justiça, a verdade, a paz e o perdão entre os homens.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Tribunal do Júri: todo bom advogado sabe contar histórias

Gostei do artigo abaixo, de João Ozório de Melo, correspondente da revista Consultor Jurídico nos EUA, sobre a arte de contar histórias no júri popular. O texto foi publicado em (http://www.conjur.com.br/2011-out-20/todo-bom-advogado-contencioso-bom-contador-historias).

Saber contar histórias é talento dos grandes comunicadores. E no júri é um talento extremamente decisivo.
Dizem até que o júri é uma assembléia popular que se reúne para votar em favor daquele que contar a melhor história. Daí já se tira! Vamos ao texto:

Certa vez, o ator e diretor teatral Kenneth Albers disse que "uma grande história é como uma piada bem concebida: deliciosamente curta, imediatamente memorizada, eminentemente repetível e virtualmente impossível de rejeitar". Assim deve ser a história que o advogado deve contar aos jurados e ao juiz, diz o experiente advogado e professor Jim McElhaney. "Todo advogado que atua no Tribunal do Júri deve saber como contar uma boa história", escreve.

As histórias, sejam escritas ou orais, são essenciais para virtualmente todas as partes do litígio — desde as declarações iniciais aos argumentos finais, passando por todas as etapas intermediárias. "Os advogados devem ser bons comunicadores e, por isso, devem entender que as histórias estão no núcleo do que as pessoas pensam e aprendem, nas trocas de ideias e nos esforços para entender o mundo a sua volta", diz o professor. "As histórias estão no coração do que a lei significa", afirma.

Para ser um bom contador de história no Tribunal do Júri, a primeira coisa a fazer é desaprender o que se aprendeu na faculdade de Direito, para poder tratar de casos reais com eficácia. A começar pelo idioma. Na faculdade, os advogados aprendem o idioma "legalês" e, por razões profissionais, se afeiçoam a ele. Mas precisam abrir mão completamente desse idioma secreto e falar a língua que os jurados falam e entendem. Não se sabe de que quadrantes da vida alguns jurados podem ter vindo.

"O problema é que, quando estávamos na faculdade, pensávamos que falar como um advogado nos tornaria especiais. E é verdade. Falar como advogados nos torna especialmente chatos", diz. "O desafio é conseguir falar sobre tópicos jurídicos complexos, difíceis, em termos que qualquer jurado possa entender e saber do que estamos falando", acrescenta. E, mesmo falando o idioma nacional, não há que ser sofisticado. Tire de seus textos, por exemplo, todas as palavras ou expressões que podem não ser entendidas por um jovem de 13 anos.

A segunda coisa a reaprender é cortar seu caso ao extremamente necessário. "Você não está mais na faculdade de Direito e não vai ganhar uma nota melhor por arguir todos os pontos possíveis de uma demanda ou de uma defesa. Nem por chamar todas as testemunhas possíveis, especialmente se elas não têm nada a acrescentar ao que já foi dito por outras três. Escolha os melhores argumentos e... que se dane o resto não é uma abordagem ruim, quando se trata de enxugar o caso", diz McElhaney.

Ele empresta um exemplo que o advogado Irving Younger usava em suas palestras no Instituto Nacional para Advogados de Contencioso para demonstrar que argumentos em excesso podem ser autodestrutivos.

O demandante era um pequeno agricultor, que cultivava um canteiro de couve no fundo de casa. Seu vizinho tinha um bode no quintal, que um dia escapou, entrou no terreno do agricultor, comeu quase toda a couve e esburacou o canteiro, estragando tudo. O agricultor processou o vizinho que contratou o advogado mais próximo. O advogado resolveu arguir todas as possíveis questões do caso, com as seguintes declarações iniciais (provavelmente para não dar qualquer chance ao demandante):

1) Você não tinha couves; 2) Se você tinha couves, elas não foram comidas; 3) Se suas couves foram comidas, não foram comidas por um bode; 4) Se foram comidas por um bode, não foi o bode de meu cliente; 5) Se foi o bode de meu cliente, foi causa de sua insanidade mental.

Antes de mais nada, o advogado tem de contar a história. Todos os casos têm uma história, dos dois lados. O advogado deve ser capaz de contar todo o caso a uma pessoa, que não sabe nada sobre a disputa, em cerca de 30 segundos.

É melhor reduzir o volume de argumentos ao mínimo necessário. Um amontoado de argumentos pode oferecer ao outro lado mais oportunidades de derrubar o caso. O advogado também não deve exagerar na apresentação de seus bons argumentos. Com isso, poderá criar mais "ônus da prova". Seus argumentos devem ser razoáveis, significando que não é uma boa estratégia "aumentar a história", porque isso pode criar desconfiança nos jurados. Suas posições devem ser consistentes: se o advogado coloca seus ovos em mais de uma cesta, os jurados podem entender que ele não confia em nenhuma das cestas.

"Termine sua história fazendo os jurados e o juiz sentirem uma percepção de injustiça. Se você é advogado do demandante (ou de acusação), diga que eles acabaram de ouvir alguma coisa que está muito errada, uma injustiça que precisa ser remediada. Se você é advogado do réu (ou de defesa), diga que, depois de tudo que ouviram, agora sabem que seria profundamente injusto fazer uma pessoa pagar por (alguma coisa) que ela não fez", aconselha McElhaney.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

"A Constituição não é uma embusteria"

Hoje encontrei-me com essas fortes palavras de Rui Barbosa: "A Constituição não pode ser uma embusteria".

A Constituição Federal não é um lugar de guardar embustes, engodos, mentiras, logros, ficções, letras mortas, ineficazes.

Se a Constituição, que emana da vontade do povo, alberga um leque de direitos e garantias individuais e sociais, e disciplina a ordem social, ecônomica, política e jurídica de uma nação, ela deve ser respeitada, aplicada, porque é ela que tem o comando legítimo de todas as outras leis do país, e nenhum homem, por mais poderoso que se ache, está acima dela.

Aquele que vê a Constituição como apenas um pedaço de papel sem valor, lamentavelmente só revela uma mente tacanha, deformada, um caráter nanico, anormal, embusteiro, desafeito a democracia, a ordem e ao estado de direito - que devem iluminar a vida em sociedade.

"A Constituição não é uma embusteria", uma fábrica de letras vãs. Ela é conhecida como a Carta Magna, A Lei Maior, A lei das Leis, pois condensa, numa maior proximidade os anseios da consciência humana. E constitucionalizar as instituições e constitucionalizar a sociedade é um desafio sempre atual dos verdadeiros líderes da humanidade.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Se a acusação for verdadeira, não cai!

Como sempre tenho dito, estudar a advocacia está entre as minhas leituras prediletas.

Conhecer a origem da nossa profissão, como ela é vista e exercida em outros países, saber da vida dos grandes advogados e das causas em que atuaram é, no início, um dever, depois, um prazer para aqueles que querem triunfar na advocacia.

Lendo o livro La Abogacia Soviética, publicado no ano de 1959, e que comprei, este ano, pela internet, num sebo de São Paulo, vejo escrito uma precisosa verdade:

"Los juristas soviéticos consideran que la defensa viril y decidida no puede inferir daño a la justicia ni debilitar la lucha contra la delincuencia. En realidad, un acusación fundada es capaz de resistir los embates de la defensa de más talento. Y si el abogado ayuda a rechazar uma acusación infundada, con ello la justicia sólo sale ganando."

Isso precisa ser entendido melhor por todas as pessoas que militam na área criminal e que têm compromisso com a verdade. Por que se incomodar com a atuação forte e talentosa e corajosa e ousada de um advogado? Se a acusação tem base, se tem fundamento, se tem ética, se tem legalidade, nenhuma defesa conseguirá derrubá-la. Se um advogado competente, porventura, derrubá-la, a contrário senso, é porque ela não passava de um castelo de areias, de um tigre de dentes de papel que não resistiu a prova do contraditório nem passou pela peneira do tempo.

Vamos repetir a lição dos juristas soviéticos, agora em nossa língua, para que essa lógica verdadeira possa ser bem assimilada por todos nós:

"Os juristas soviéticos consideram que a defesa viril e decidida não pode causar dano a justiça nem debilitar a luta contra o crime. Em realidade uma acusação fundada é capaz de resistir aos maiores embates feitos por uma defesa talentosa. E se o advogado ajuda a rechaçar uma acusação infundada, com ele sai ganhando a própria justiça".

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A atenção do orador

O orador deve ser um homem atento, vivo, perceptivo, ligado a tudo o que acontece ao seu redor.

No júri, a desatenção leva todo um trabalho a perdição. Ao sair da sala e ir ao banheiro, por exemplo, o orador pode ter perdido a chance de rebater um argumento, que sem isso, talvez, o levará a derrota.

Quando eu fumava - e no júri fumava dobrado - costumava sair várias vezes do plenário, deixando o promotor solto para dizer o que ele quisesse. Talvez tenha tido a sorte de não sofrer grandes revezes, mas hoje, ao olhar para trás, vejo os riscos que corri. Além disso, o entra e sai não é bom para a imagem de um advogado que se pretende zeloso com a causa.

Isso que foi dito acima é apenas um minúsculo exemplo da importância da atenção. Atenção que vai das coisas mais evidentes as mais sutis.

Quintiliano, um dos grandes mestres da oratória latina, já dizia que "para se tornar um grande orador imprescindível se faz o cultivo da arte da atenção".

O que devo falar, como devo falar, onde irei falar, para que tipo de gente irei falar, quanto tempo irei falar, tudo isto não passa despercebido por um orador atento.

Ensinava o eminente professor Silveira Bueno, no clássico A Arte de Falar em Público, que "em tudo há eloquência". Se o orador for um homem de atenção perceberá com mais clarividência que em tudo existe uma mensagem que pode contribuir na construção da boa oratória.

Certa vez fazia um júri, quando a luz se apagou já próximo ao fim da fala do promotor. Não perdi a oportunidade, e aparteei: "Assim é a sua acusação, uma escuridão total". A plateia riu, e o júri riu também.

Quando iniciei minha defesa ainda estava tudo escuro, mas por divina coincidência a luz voltou poucos minutos depois. Aproveitei o gancho do momento e falei com vibração: "A acusação trouxe a escuridão e a defesa traz a luz, a defesa traz a luz da verdade".

Em tudo há poesia, mas só um poeta pode ver. Em tudo há eloquência, mas só um orador que se dispõe a ter atenção é capaz de perceber.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Os honorários do advogado na visão de um promotor

Certa feita um promotor sustentava a sua acusação, quando dele ouvi, se dirigindo aos jurados, e causando um certo impacto em mim: "O advogado está fazendo a parte dele, tá recebendo dinheiro para isso, tá sendo pago pelo cliente, eu entendo o advogado".

Simplesmente anotei no meu bloco a observação "Tô ganhando. E ele, não está?"

Chegando a vez da defesa, disse:

"O promotor, na tentativa de diminuir o meu trabalho, de menosprezá-lo, de menoscabá-lo, falou aqui, com má-fé e deslealdade, que eu sustento esta defesa porque estou simplesmente comprado pelo vil metal.

Acha o promotor que ele está aqui de graça. Quanto ganha um promotor? Ele faz acusação aqui porque está sendo pago e muito bem pago, porque se fosse de graça ele não estaria neste julgamento. Ganha mais de 20 mil reais por mês para sustentar denúncias injustas, a exemplo desta".

Nesse momento o promotor quis reagir. Mas lhe falei que respeitasse a minha vez de falar como eu tinha respeitado a dele. Ele quis continuar, mas o juiz garantiu a defesa.

E fui adiante: "Talvez o senhor nunca tenha ouvido isso, mas merece ouvir para respeitar mais a advocacia. Eu não faço do meu escritório antro de transações imorais, o senhor não me conhece. Tenho minha profissão como algo sagrado. A Constituição diz que somos imprescindíveis à administração da justiça. E quem o senhor pensa que é para nos transformar em mercernários vilipendiando nossa honra".

Continuei: "Os honorários que eu ganho são mais honestos do que o seu salário, porque eu recebo do cliente e não da vítima. Já o senhor recebe dinheiro até do meu cliente, dos familiares dele, dos amigos dele, que pagam impostos ao Estado para poder bancar seu nababesco salário".

E finalizei: "Aliás não recebo dinheiro, recebo honorários, palavra que vem de honra, honra pela dedicação do meu trabalho. Os jurados estão vendo aqui que tudo o que digo é baseado nas provas. E como o senhor então vem dizer que o que falo, falo porque sou comprado para tanto? Respeite a advocacia, meu caro doutor, ganhar o pão de cada dia da forma que eu ganho, é uma da maneiras mais dignas que encontrei para viver."

Se realmente eu estivesse falando como o promotor estava dizendo, era dever dos jurados condenar o meu constituinte, mas ao contrário, o absolveram com larga e segura margem de votos.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Não é justo jogar no vivo a culpa do morto

Minha equipe e eu estivemos ontem na Comarca de Manoel Urbano-Acre participando de um movimentado júri popular. Na assistência da defesa, o estagiário Isaac Freire, e registrando o evento forense, Nostradamus França.

Depois de 10 horas de julgamento entendeu o Conselho de Sentença que o réu, homem trabalhador, agiu em legítima defesa, quando ao ser agredido em seu local de trabalho matou para não morrer.

Em determinado momento do julgamento, o promotor retoricou, visivelmente indignado: "Qual é o valor que tem a vida? Pode-se andar por aí, impunemente, tirando a vida dos outros como se a vida não valesse nada?

Na minha vez de falar disse aos magistrados populares: "Perguntou o promotor, ainda há pouco, qual o valor que tem a vida. E respondo para o promotor que a vida tem um valor inestimável. O valor da vida é tão inestimável que o direito autoriza a matar para se poder viver".

A acusação não deu tréguas, foi forte, cerrada, em tom de combate o tempo todo. Houve réplica, tréplica, farpas, faíscas, choques de opiniões, coisas da natureza do júri.

Mas como dizia Shakespeare "não é justo jogar no vivo a culpa do morto". E nesse caso em particular, o júri entendeu que o poeta tem razão, "não é justo jogar no vivo a culpa do morto".

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O juri sob todos os aspectos

Dizia o promotor Roberto Lyra, um dos maiores tribunos forenses da história do Brasil, que "ninguém pode se considerar um informado a respeito do Júri sem ter lido Rui Barbosa". Obras clássicas do direito, da advocacia, do júri, foram legadas à posteridade pela mente brilhante daquele que ficou conhecido como a Águia de Haia.

Dentre as obras clássicas fundamentais da literatura do júri está o livro de Rui Barbosa, O Júri Sob Todos os Aspectos, obra rara, não mais editada, que só os que militam na instituição com mais profundidade conhecem. A introdução do livro - que é uma coletânea de textos sobre a teoria e a prática do júri - é feita pelo renomado orador Roberto Lyra.

Para mim, o maior mérito da obra é revelar a verdadeira natureza do júri. Quem entende a natureza do júri, e adequa sua atuação profissional em conformidade com ela, passa a desfrutar de um enorme segredo capaz de levá-lo a cumes altos da atuação profissional.

E para conhecer a natureza do júri é preciso saber da sua história, da sua razão de existir, da sua origem, como tribunal não só jurídico, mas político, no sentido de representação popular; não só legal, mas moral, na medida em que espelha o senso de justiça dos cidadãos inseridos na sociedade. É um tribunal que não está amarrado aos burocráticos meandros de um código, pois decide conforme os ditames de sua consciência.

O júri está além das leis, das doutrinas, das jurisprudências, podendo dispensar todas para fazer valer seu voto de consciência. A própria Constituição consagra como um dos seus princípios a soberania de seus veredictos. Escreveu Rui Barbosa: "A soberania de consciência dos jurados é exercida sem que nenhum poder na terra possa lhe tomar contar".

O artigo 472 do Código de Processo Penal diz que "Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados, a seguinte exortação: Em nome da lei concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça. Os jurados, nominalmente, chamados pelo presidente, responderão: Assim o prometo".

Tão forte defesa fazia Rui Barbosa do Tribunal do Júri que deixou gravadas em lapidares letras o imortal comando a todos os homens de espírito cívico, republicano e democrático para que ficassem alerta quanto aos ataques dos tiranos à instituição: "Sentido, senhores! Quando o tribunal popular cair é a parede mestra da justiça que ruirá! Pela brecha hiante vasará o tropel desatinado e os mais altos tribunais vacilarão no trono da sua superioridade!"

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Diferença entre retórica, oratória e eloquência

Não é incomum o debate a respeito da diferença que existe entre oratória, retórica e eloquência. Ao longo do tempo fui construindo a minha própria compreensão, não querendo dizer com isso que ela está pronta e acabada, mas venho me satisfazendo e aperfeiçoando esse entendimento.

Esses três termos, retórica, oratória e eloquência, podem ser usados como sinônimos, sem nenhum problema, o dicionário Houaiss traz assim, precisando apenas que, aquele que assim faz, esclareça aos ouvintes ou aos leitores que se optou em empregá-los no mesmo sentido, com um mesmo verbete.

A retórica, a oratória, a eloquência todas fazem parte da arte de falar bem, da arte de bem dizer. O re de retórica, o ora de oratória, e o loquen de eloquência, são termos que significam dizer, orar, falar.

Mas se queremos diferenciá-las podemos fazer da seguinte maneira.

A oratória se refere ao conjunto de técnicas, gestos, maneiras, formas de dizer, que podem ser adquiridas por intermédio de cursos, de leituras, de práticas. Ela é indispensável para quem almeja ser um grande comunicador.

A retórica se refere mais a argumentação sólida do conteúdo, à associação e à disposição das ideias, a força da lógica, da dialética, que também se adquire com muita leitura, exigindo amplo e profundo conhecimento. É imprescindível porque é ela que dá substância e impacto na comunicação.

A eloquência se refere ao carisma, ao dom, a bela voz, a boa presença, a espirituosidade, a expressividade da alma de um indivíduo, que faz com que suas palavras tenham uma misteriosa sedução, um tremendo efeito. Não podemos dizer que ela pode ser conquistada em cursos ou com leituras, ela é um presente de Deus. É a bela essência do verbo encantado.

Todas elas se interconectam fazendo parte de uma só ciência, de uma grandiosa ciência, que ora chamamos de oratória, ora de retórica, ora de eloquência.

Muitos manuais podem até explicar de outra maneira as nuances entre as palavras referidas, mas venho me dando por satisfeito com essa compreensão que tenho, solidificando-a em anos de estudos teóricos sobre a matéria, e com a constante prática da palavra ao longo do tempo em movimentos estudantis, culturais, eclesiais, políticos, sindicais, em comícios, passeatas, palestras, apresentações, salas de aulas, tribunais do júri e outros tribunais.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O sábio Arquimedes e a defesa no júri popular

Arquimedes foi um sábio da Antiguidade, físico e matemático, tendo nascido em Siracusa, no século III a.C., hoje cidade que faz parte da Itália. A mesma cidade de Córax, o grande advogado criador da retórica.

Disse Arquimedes: "Dê-me um ponto de apoio e uma alavanca que eu moverei o mundo". Deixando de lado as explicações científicas da frase, trago-a para ser ilustrada na construção da defesa no tribunal do júri.

Dê-me é o advogado falando, o advogado competente. O ponto de apoio é a prova, muitas vezes ocultas aos olhos de quem não sabe ver. A alavanca é a oratória, o instrumento indispensável. E o moverei o mundo é a vitória prometida.

Sem provas seguras, capazes de fundamentar e apoiar uma tese, não existe oratória forte. A força da oratória no júri só pode alavancar uma defesa e torná-la vitoriosa se ela tiver cimentada em bases seguras de provas. Só assim a alavanca pode funcionar.

No entanto, não adianta também, muita coisa, um processo com boas provas se o advogado não for capaz de manejar adequadamente a alavanca. O mundo só será movido, a defesa só será triunfante, quando houver pontos de apoios seguros e uma alavanca forte e bem utilizada por um trabalhador habilidoso, zeloso e conhecedor de seu ofício.

Essa frase de Arquimedes pode ilustrar muitas outras coisas da nossa vida. Antes de querermos mover o mundo temos que ter um ponto de apoio seguro e uma alavanca sólida manejada com inteligência, firmeza e paciência para alcançarmos nossos objetivos.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

É um erro crasso não querer aprender oratória

Por volta do ano de 92 a.C. um dos homens poderosos de Roma, chamado Crasso, mandou fechar todas as escolas romanas que ensinavam a arte da oratória, alegando, de forma genérica, que elas nada ensinavam, apenas deixavam os jovens vazios, imprudentes e presunçosos, já que seus professores não tinham a cultura necessária para ensinar tal ofício.

Crasso ficou conhecido também por suas manobras militares voluntaristas, sem planejamento, sem exame prévio ou empregos de estratégias militares adequadas, o que lhe levou a ruína e a morte em campo de batalha.

Diz Vitorino Prata Castelo Branco, em seu clássico livro O advogado e a defesa oral que "Crasso ficou conhecido na História como símbolo da ignorância, pois dizer que um erro é crasso é a mesma coisa que dizer que é um erro sem desculpa".

Crasso, ao fechar as portas das escolas de oratória em Roma, mostrou toda a sua estupidez ao impedir o crescimento intelectual dos jovens. Depois de sua morte, outros mestres de retórica reabriram-nas, desenvolvendo o grande potencial que Roma tinha para nobre arte da palavra, chegando mesmo a se igualarem com os gregos, seus inspiradores culturais e antigos rivais, com nomes como os de Cícero, Catão, Brutus, Tibério, Hortênsio, Caio Graco, Júlio César, Marco Antonio, Plínio, Quintiliano e tantos outros.

Não seja um "Crasso"; não feche as portas de sua inteligência verbal. É um erro crasso não querer aprender oratória.