quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O discurso forte

O discurso forte foi uma das teorias desenvolvidas pelo grande orador sofista Protágoras, autor da enigmática frase o homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, e das coisas que não são, enquanto não são".

O discurso fraco é aquele que não desperta a adesão dos ouvintes. Descobrir o discurso forte para cada situação é um trabalho de exploração, de busca.

O discurso forte conquista a adesão dos ouvintes, é magnético. Um discurso se une a outro, que se une a outro e que assim vai, por semelhança, crescendo, se propagando, dominando.

É muito importante esse conceito para os oradores. Os advogados, por exemplo, precisam descobrir em cada situação qual o discurso mais forte em favor de seus objetivos. Em muitas causas o discurso forte não está aparente, é descoberto ou até mesmo construído. E ele é forte porque será recepcionado pelos outros espíritos. E saber o que é forte, o que é decisivo, exige inteligência e sensibilidade.

Protágoras afirmava que para cada situação é possível desenvolver pelo menos dois discursos, ambos fortes, coerentes, mas que se contradizem entre si. Daí se nota que não é tarefa das mais fáceis ter ao seu lado o discurso mais forte. A verdade, por ser multicolorida, assim como o bem, o certo, e o justo, tem várias facetas, podem se manifestar de muitas maneiras.

O trabalho do orador é exatamente o de sintonizar-se com o que é mais forte, dentro de todos os argumentos. A percepção é de grande valor, porque sendo luz clareia aquilo que tem mais força persuasiva em cada caso concreto, abrindo caminho para a conquista da vitória.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Minhas palavras são como as estrelas que não empalidecem

Assim com a escultura, a pintura, a arquitetura, a poesia, a música, que ao longo das eras tem encantando o homem, a oratória, também, têm seus momentos de esplendor, de sublimidade.

De onde vem? De que fonte? Tanta beleza, tanta luz, tanta sabedoria?

O homem como uma flauta, um instrumento, tocado pelo Divino, pelo Tao, por Deus. Sublime arte de dizer. Ciência do além?

Ele se levanta, nobre, inteligente, um silêncio se faz, frases profundas, sonoras e eloquentes, quem viu diz. Seu timbre era de trombeta, e apontando um dedo para o céu enluarado, em tom solene e majestoso começou a falar, e suas palavras fluiam como as águas de um rio gracioso vindas misteriosamente:

O grande chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa de nossa amizade.

Vamos pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O grande chefe de Washington pode confiar no que o cacique Seattle diz, minhas palavras são como as estrelas que não empalidecem.

E o discurso continua, um raro momento, palavras em forma de luz. Frases lindas, imorredouras, que seleciono:

"Como podes comprar ou vender o céu? Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los?"

"As flores perfumadas são nossas irmãs, o cavalo, a águia, o cervo, o homem, todos pertencem a mesma família. O rumorejar d´agua é a voz do pai de meu pai. Os rios são nossos irmãos, eles apagam nossa sede".

"A terra é para nós sagrada. Que vida é aquela na cidade, onde não se pode ouvir a voz solitária do curiango ou, de noite a conversa dos sapos em volta de um brejo?"

"O ar reparte seu espírito com toda a vida que sustenta".

"Tudo está interligado como o sangue que une uma família. Tudo quanto fere a terra, fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles mesmos."

"De uma coisa sabemos, que o homem branco venha, talvez, um dia descobrir: nosso Deus é o mesmo Deus. Ele é Deus da humanidade inteira".

O discurso foi proferido no ano de 1854 quando o Presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce propôs comprar uma grande área de terra dos índios Duwamish, os peles-vermelhas. A resposta do Cacique Seattle é plena de religiosidade, de poesia, de amor à natureza. Sua mensagem se eternizará, porque é eterna e é terna a fonte da onde emanou, pois "minhas palavras são como as estrelas que não empalidecem".

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Uma consciência resplandescente

Li a cristalina oratória de Martin Luther King quando foi agraciado com o prêmio Nobel da Paz.

No livro Os Melhores Discursos de Martin Luther King: Um Apelo à Consciência, encontramos tesouros que alimentam nossa consciência com a fina substância das verdades resplandescentes.

Dalai Lama o chamou um dos grandes heróis de nosso século, que num altar de Oslo, Noruega, em 1964, assim falou ao mundo:

"Caminhamos com um majestoso desprezo pelos riscos e perigos de estabelecer um reino de liberdade e um governo de justiça.

Civilização e violência são conceitos antitéticos. A não-violência não constitui uma passividade estéril, mas uma poderosa força moral que leva a transformação social. Cedo ou tarde, todos os povos do mundo descobrirão o caminho para a convivência pacífica, e, com isso, transformarão esta pedente elegia cósmica em um abençoado salmo de fraternidade.

Aceito esse prêmio em nome de todos os homens que amam a paz.

Acredito que ainda um dia a humanidade há de se curvar diante dos altares de Deus e será coroada com triunfo, acima da guerra e do derramamento de sangue, e a boa vontade, não violenta e redentora, proclamará o seu poder sobre a terra. O leão e o cordeiro deitar-se-ão lado a lado e cada homem sentar-se-á à sombra de sua própria figueira, e ninguém mais temerá.

Acredito que triunfaremos.

A verdade é beleza, e a beleza da paz e da fraternidade é mais preciosa do que todos os diamantes, do que a prata ou o ouro."

A min kontaram

A história de Amin Kontar, o Princípe da Constância, povoa o imaginário coletivo da comunidade tarauacaense. Por esses dias, o deputado Moisés Diniz soprou a chama, porque quando a luz é boa, ela não se apaga, ela é constante.

O assunto sempre me chega, com constância. Uma pergunta. Uma curisosidade. De jovens. De velhos. Até crianças se interessam pelo o que aconteceu com o jovem Amin Kontar.

Dizem que veio da Turquia, mas o processo criminal fala da Syria. Era Syrio, assim mesmo, escrito desse jeito. Mas também vale dizer que era turco, isso não é essencial.

Pelo que se sente chegou em Tarauacá exalando o perfume da juventude, da potência, da vida, do movimento, da graciosidade.

Quando falo de Amin, de uma certa forma lembro de mim, da juventude tarauacaense, do povo que está ligado a este mitológico acontecimento, a esta lenda, a esta epopéia, e é por isso que as pessoas se encantam com a história como nos contos de fadas.

Para mim contar de Amin só serve se for desta maneira. Tem que ter luz, sentido, significado. Virar um símbolo de todos nós, tarauacaenses, troncos de resistência, mourões de justiça, rio de dignidade. Ser a nossa marca, a nossa presença, a nossa constância.

Tudo isso a mim contaram, e hoje conto a você, que contará também a outros, uma corrente, constantemente. Contará das coisas boas dessa história, contará com as coisas tão simples e poderosas, e significativas, e elevadas, e universais, que existem no íntimo de cada um de nós.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A disposição do advogado

Hoje acordei disposto a escrever a respeito da disposição. Sou um cultivador desta palavra. Ela significa ser senhor de sua ação. É um estado de espírito, de ânimo dos mais elevados, para vencer, para conquistar, para resolver uma situação. Lembrei-me da resposta que deu Rui Barbosa quando alguém lhe perguntou a razão de seu sucesso: "O sol nunca me pegou dormindo".

Estar disposto a acordar cedo, disposto para trabalhar, disposto para vida, disposto para estudar, disposto para aprender, disposto para tudo o que é bom.

O advogado deve cultivar esse precioso estado de espírito, pois é ele quem nos afasta da nostalgia, da preguiça, da negligência, da desídia com as causas que patrocinamos.

A disposição não é nenhum dom que vem do além, é um cultivo, uma vontade de ser, um querer agir.

Decorre daí que é sempre importante saber escolher a causa, o combate, o compromisso, pois é mais fácil a disposição para aquilo que nos entusiasma, nos move, nos toca a alma.

Mas situações existem que a disposição para agir não se refere exatamente àquilo que nós gostamos de fazer, mas que é preciso dar uma resposta, agir, estar disposto a encarar a situação de frente, sem procrastinar, adiar, deixar para depois, fazer corpo mole.

O advogado disposto traz consigo uma aura de poder original, porque é o homem em ação, pragmático, decidido. Muito se ouve críticas de que aquele advogado não faz nada. Algumas vezes isso é verdade, outras, não. Estar disposto não quer dizer ser um atabalhoado, um violador do ritmo das coisas, um neurótico sem rumo correndo para lá e para cá, sem o menor silêncio nos gestos e na mente, sem consciência do que busca ou de como busca.

Portanto, a disposição do advogado, o advogado disposto, é identificado pela sociedade como o verdadeiro advogado, que peregrina em busca de uma solução, que fala, que age, que combate, que sabe o que quer. Esse estado de espírito deve ser despertado a cada amanhecer, pois com o sol tudo se acorda, tudo se levanta, se move, a natureza em ação. Assim deve ser o espírito do advogado, em sintonia com a criação.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O pedido de um promotor

Meu dileto amigo Pallazo, lá de Tarauacá, enviou-me o causo abaixo. Gosto da criatividade, pois quando somos criativos nos unimos ao criador, superando nossa condição de criatura.

Conta-se que o jovem promotor de Justiça de São Borja, RS, Paulo Olímpio Gomes de Souza recebeu inquérito policial sobre sedução ocorrido na Comarca.

Ora, o indiciado que tinha “feito mal” à moça, para evitar a cadeia, casou com a vítima. Paulo Olímpio, então, dirigiu-se ao juiz Péricles Mariano da Rosa pedindo o arquivamento do caso, em quatro espirituosas quadrinhas:

Em casando o indiciado
com a dita ofendida,
ficou a ação do estado
prejudicada e tolhida.

Não há mais o que punir,
diz o penal mandamento.
Quando o ato de se unir
se consagra o casamento.

Arquive-se, pois, o processo,
deixe-se isento o rapaz.
Que tenha muito sucesso
e na vida encontre paz.

Ele até merece o céu
por gesto tão desvalido.
Trocou sua desdita de réu
por uma maior... de marido!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Sabores etimológicos

É realmente um prazer o conhecimento do berço, da origem, da etimologia das palavras, das sentenças, das expressões populares, dos provérbios.

Sem dúvida que a oratória ou a escritória fica mais elegante, mais charmosa, mais significativa e poderosa quando o orador ou o escritor a manifesta com consciência etimológica aquilo que diz.

Uma expressão por mais batida que seja, nas mãos de uma pessoa habilidosa ganha nova imagem, nova aparência, soa novidadeira, pujante, atrativa, saborosa.

Para bem dizer fundamental se é conhecer a vida das palavras. O Reino das Palavras é um mundo misterioso, vivo, orgânico, fluido, alquímico, tem o poder de dizer "faça-se" e a coisa se fazer, abra-se e a coisa se abrir. "Faça-se a luz". "Abre-te de Sésamo". "Abracadabra".

No livro Etimologias, grande enciclopédia da origem das palavras, escrita por Santo Isidoro de Servilha, o padroeiro dos etimologistas, que viveu entre os anos 560-630 assim encontramos a origem da palavra sábio: vem de sabor, pois assim como o paladar é apto para discernir os sabores dos alimentos, assim também o sábio distingue as coisas e as causas, pois conhece cada uma e sabe discernir o sentido da verdade.

O advogado consciencioso sabe que a sua profissão é uma profissão da palavra, e que para o seu pleno desenvolvimento profissional necessário se faz estudar o mundo oculto das palavras, e o domínio da etimologia é boa chave para embelezá-la, encantá-la, iluminá-la, tornando seu dizer uma verdadeira arte digna de sabor.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O sucesso está nos detalhes

A palavra detalhe, segundo o dicionário Houaiss, tem sua origem etimológica no Francês, détail, significando pedaço, pequena parte, elementos mínimos de um conjunto.

Ser detalhista é uma virtude. É ver o conjunto a partir da harmonia das partes, de sua perfeita complementariedade. O todo só é o todo quando é feito de todas as suas partes. Se algum detalhe faltar o todo já não pode ser assim chamado.

Numa obra de arte, numa poesia, numa argumentação, numa empresa, em qualquer empreendimento, o detalhe faz a diferença. Para se ver os detalhes é preciso ter sensibilidade e atenção e senso de qualidade.

Quando advogado ergue a sua voz na defesa de uma causa, há de se ter o domínio necessário dos detalhes, da maneira de falar ao que vai falar. A vitória muitas vezes lhe escapa das mãos porque os detalhes foram negligenciados.

Falo aqui de detalhes e não de neurose. Ocasiões existem onde o detalhe é não se preocupar com o detalhes. Repita-se o que é importante: é preciso ter sensibilidade, atenção e senso de qualidade.

O sucesso em grande medida manifesta-se naquelas pessoas que sabem que os detalhes fazem a diferença, aquele pedaço pequenino, às vezes invisível, atômico, que embeleza a arte e que aperfeiçoa a vida.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Sobre mestres e professores do direito

Geralmente usamos a palavra mestre como sinônimo de professor. Dia dos mestres, dia dos professores.

Certa vez um grande filósofo explicou: "Você sabe qual a diferença entre um mestre e um professor? O mestre conhece e comunica o que conhece. O professor recebe o conhecimento de alguém que conhece e o entrega intato as pessoas."

No direito essa diferença é bem visível. Os mestres vivem, experimentam, conhecem, criam, enriquecem o direito com a luz da originalidade. Geralmente são homens práticos, que aprendem com a vida.

Os professores são homens eruditos, com títulos e mais títulos acadêmicos, de cultura técnica invejável. Escrevem livros, elaboram teorias, teses, escrevem de maneira rebuscada, mas geralmente vão repetindo o conhecimento dos outros, com uma nova roupagem, com novas palavras.

Ambos ensinam, e são importantes.

Mas sempre preferi aprender direito com os mestres, chego mesmo a dormir de nostalgia quando leio, por dever do ofício, um livro técnico do direito. O academiscismo, o pedantismo da linguagem barroca extempôranea, tira a beleza do conhecimento.

Deleito-me em ler livros de casos criminais, reproduzidos em livros ou transformados em filmes. A defesa, a acusação, as teses, as provas, a luta, a vida, a dinâmica do direito. Estudar a lei a partir da experiência, do concreto, do vivido, é assim que aprendi a gostar do direito e a amar a advocacia, que é movimento, que é fluição, que é vibração.

Continuo a aprender com o saber erudito dos professores, mas nada mais belo, mais enlevado, mais mágico que ouvir as palavras sábias de um mestre do direito, aquele homem feito da rica matéria-prima da realidade.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Os bárbaros do direito

Preparando-se para ministrar uma aula a respeito dos princípios constitucionais do processo penal, veio-me a mente a expressão bárbaros do direito, e percebi que não são poucos os que nos rondam como carniceiros do direito alheio.

Princípios, segundo o dicionário Aurélio, é o momento ou o trecho em que algo tem origem; causa primária; elemento predominante na constituição de um corpo orgânico. No livro Direito Processual Penal de Paulo Rangel, ele cita o jurista Luís Diez Picasso, para quem a ideia de princípio deriva da geometria, onde designa as verdades primeiras, são princípios porque estão no princípio. Diz também Celso Antonio Bandeira de Melo que violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma.

E onde estão os princípios do direito? Primeiramente gravados na consciência humana. E depois, quanto mais a consciência vai se expandido, mais os homens vão registrando-os em seus instrumentos legais, nas constituições, convenções, tratados, códigos, etc.

Os princípios são a manifestação do puro direito, daí sua beleza transcendental, sua validade universal para os povos evoluídos. Um exemplo de princípio do direito: "Ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal". Toda lei ou decisão que violar esse princípio viola a própria essência do direito.

Não são todas as pessoas que são dadas a respeitar, na interpretação e na aplicação das leis, os princípios do direito. Quanto mais imatura, incivilizada, quanta mais bárbara for a consciência do homem mais arbitrária, mais imoral, mais violenta ela é na distribuição da justiça.

Os bárbaros do direito e o direito dos bárbaros só serão definitivamente varridos da história do direito quando houver o triunfo definitivo da racionalidade superior, que tem nos princípios a agulha de marear de toda a ordem jurídica justa de uma nação.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O advogado é um historiador ou do amor por Thêmis e Clio

"Não tentes curar o mal com o mal. Prefira a medida justa à medida rigorosa". Heródoto

Muito se tem comparado o advogado com o historiador.

Formei-me em História pela Universidade Federal do Acre, e por quase uma década fui professor, ensinando e aprendendo com meus alunos a encantadora beleza daquela que o advogado Cícero chamava de a mestra da vida.

Ao optar em ser advogado não sabia que exerceria tão profundamente meu ofício de historiador, e também não tinha ainda a clareza que ao fazer história estava palmilhando meu caminho para ser advogado.

Diz o famoso advogado Calamandrei: "Assim como a magnanimidade do historiador põe em evidência os gestos heróicos daqueles fatos que, no relato de um cronista medíocre, pareciam insípido e desprezível episódio, também nos processos penais, os fatos se ajustam à medida intelectual e moral do advogado".

O advogado age sobre a realidade como o historiador, que recolhe os fatos de acordo com um critério de escolha por ele preestabelecido, e despreza os que, à luz desse critério, parecem-lhe irrelevantes. Também o advogado, como historiador, trairia seu ofício se alterasse a verdade contando fatos inventados; não o trai enquanto se limita a colher e coordenar na realidade bruta apenas aspectos vantajosos à sua tese."

Esclarece o advogado Carnelluti: "Não é mistério que no processo, e não só no processo penal, se faz história. Um fato é um pedaço de história; e a história é a estrada que percorrem, do nascimento à morte, os homens e a humanidade. Um pedaço de estrada, portanto. Mas da estrada que se fez, não da estrada que se pode fazer. Saber se um fato aconteceu ou não quer dizer, portanto, voltar a trás. Este voltar atrás é aquilo que se chama fazer a história. E é isso que o historiador faz." E é isto que o advogado faz.

O que vale para o advogado em relação a história também vale para o promotor e também vale para o juiz. "O juiz é um historiador, com a única diferença entre a grande e a pequena história. A que o juiz faz, ou melhor, reconstrói, é a pequena história, mas não menos importante", completa Carnelutti.

Aquilo que o homem é e aquilo que o homem fez só se conhece por meio da história, da busca no seu passado, das provas, das circunstâncias de sua vida pretérita, de sua vida em todos os aspectos, familiar, social, cultural, econômica.

Isso se explica porque tantas pessoas formadas em história sentem um atrativo especial pelo mundo do direito, e porque tantas pessoas do mundo do direito buscam na história os fundamentos de sua ciência. O mundo do direito é o mundo da história, e o mundo da história é a busca pelo mundo do direito. Thêmis e Clio, duas musas amadas do reino do saber.

Como dizia Eric Hobsbawmm, o ofício do historiador é lembrar o que os outros esqueceram. E muitas pessoas esquecem que o homem que senta no banco dos réus, não é um mero objeto de nossas aplicações jurídicas ou exposições jornalísticas, e cabe ao advogado lembrar a todos que aquele homem também é um ser humano como nós, e que só a partir da reconstrução minuciosa dos fatos é que saberemos a verdadeira história, o que realmente aconteceu. E da história se fez esse grande princípio: "ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória". E isso também se esquece, mas vale apena lembrar.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Jóia rara da advocacia universal

Peça jurídica bem elaborada. Teses novas, modernas. Argumentação cerrada.

Assim meu assistente apresentou-me uma resposta à acusação, defesa que fazemos bem no início do processo.

Em alegações finais, o Ministério Público, in totum, encampou as razões da defesa, porém não fez referências ao arrazoado, como se tivesse descoberto a roda.

Na vez das alegações derradeiras, meu assistente, que pelejou com maestria na construção jurídica de uma tese, ficou indignado com o comportamento do promotor. Danou-se a bater o malho, impiedosamente.

Justa revolta, pela deslealdade, pelo orgulho da parte contrária em não reconhecer o acerto do oponente.

No entanto, reformulei a peça, amenizando as catilinárias; em todo caso o promotor agiu com senso de justiça e pediu a absolvição do nosso constituinte.

Chamei meu assistente, tirei um livro da biblioteca, abri na página certa, - veja que ideal de humildade, - e comecei a ler:

"O advogado deve saber sugerir de forma muito discreta ao juiz os argumentos que lhe dêem razão, de tal modo que este fique convencido de os ter encontrado por conta própria".

Eles, os juízes, visto por um advogado, a lição aplicada na prática, mais uma vez Piero Calamandrei provando que a humildade é uma jóia rara da advocacia universal.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O homem é um edifício de três andares

Ele chegou indignado no escritório. Era a própria raiva em forma de gente. Louco, com instinto assassino surgindo em cada gesto e em cada palavra.

Senti o clima, e sabia que era preciso ter paciência para ouvi-lo. Ele tinha que fazer a catarse. Psicologia e direito de mãos dadas.

Ia esperar a decisão da justiça, mas se não desse em nada ele mataria seu agressor. Estava humilhado na vizinhança, na família, diante dos filhos, as marcas da agressão no corpo.

Não tinha jeito, a morte era certa. Homem que é homem não anda apanhando do jeito que apanhou.

O homem é um edifício de três andares. Ali se revelava o andar do animal.

Depois de todo o desabafo, continuei em silencio. Ele silenciou também. A calmaria. Naquele momento despertava o andar do humano.

Essa sua raiva é momentânea, tudo na vida passa. Você mata, se vinga, se sente "o homem", e logo depois que o sangue esfria vem o arrependimento pelo que fez. A perda da liberdade, o empobrecimento material, a dor noturna da família, as marcas de caim, as misérias do processo penal.

Fez-se mais calmo, mais reflexivo, um filme passava pela cabeça dele. As lágrimas surgiram. Tem filhos, tem mulher, tem família, tem trabalho, tem uma vida pela frente, tem uma netinha que adora, gosta de viver, ama a liberdade.

Entregou tudo nas mãos de Deus, nas mãos da Justiça, demonstrou muita gratidão em ter estado no escritório naquele momento. Saiu aliviado, leve, como um filho de Deus, era o terceiro andar aflorando no homem, o andar do divino.

"Procura, antes de chegar as portas do Tribunal, se reconciliar com o teu irmão". As palavras de Jesus ressoavam, naquele instante, em algum lugar especial do meu ser.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Juiz tem que ter experiência de vida

Conjur - Religião e valores dos ministros influenciam muito nos julgamentos?

Ministra do Superior Tribunal Militar Maria Elizabeth Rocha - A religião nem tanto, mas não tem como descartar os seus valores e seu código de ética na hora de decidir. É como aquela famosa frase de Ortega y Gasset: "Eu sou eu e as minhas circunstâncias". Não há como dissociar a sua experiência de vida, as suas alegrias, as suas dores, o seu sofrimento na hora de julgar. Por isso defendo que o magistrado tem que ter uma certa idade para poder julgar o semelhante. Quando a gente julga uma pessoa, não está julgando só a pessoa, mas a família inteira. É preciso ter experiência de vida, ter sofrido, experimentado um pouco do que são as dores do mundo para dizer que o réu é culpado ou inocente.

Também vejo assim. Para ser juiz a pessoa tem que ter experiência de vida, maturidade, equilíbrio emocional, estatura moral, para poder julgar o semelhante.