segunda-feira, 31 de março de 2008

A Justiça nasce da pureza

"Se vossa Justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo algum entrareis no Reino dos Céus". Jesus Cristo

Estarei neste dia 1º de abril de 2008, fazendo defesa no Tribunal do Júri. O julgamento será longo e polêmico.

O Júri é minha instituição predileta, de todas as que existem no Brasil.

Vem de tradições milenares e tem origem religiosa nas leis mosaicas.

Sempre desconfiei da Justiça feita por uma só pessoa. Para mim deveria o Júri julgar todos os casos, como acontece nos Estados Unidos.

O julgamento colegiado é tão importante, que até Deus não é uma só pessoa. São três em um: O Pai, o Filho e o Espírito Santo.

O Júri é a mais justa e democrática instituição brasileira, e só os que não o conhecem ou os que não sabem fazê-lo são os que criticam.

A máxima popular ensina que sete cabeças pensam mais do que uma. São sete corações, sete sentimentos, catorze olhos, catorze ouvidos, sete mentes. Florifica em tão belo encontro a dialética da purificação, e a Justiça só pode nascer da Pureza.

Ouvi uma frase certa vez que ficou gravada em minha cabeça: "A idéia de Justiça é a mais pura, a mais santa, a mais sublime depois da idéia de Deus".

O Chá do Oriente e o Chá da Amazônia

Aprecio os ensinamentos de Osho, um dos mais influentes líderes espirituais do século vinte. Orador irretocável e polemista brilhante. Escreveu dezenas de livros.

Não preciso buscar no Oriente o que tenho na Amazônia: a espiritualidade.

Como também não preciso me enclausurar no fanatismo, e deixar de aprender com outras religiões.

Conta Osho, que os hinduístas também possuem seu Chá Sagrado, extraído, segundo a lenda, da árvore que nasceu das pálpebras de Bodhidharma, o fundador do zen.

Beber este chá é receber um pouco de Bodhidharma no espírito: a percepção, a ampliação da consciência, a paz da alma, o desapego da matéria.

A ayauasca que temos na Amazônia também nos proporciona a mesma elevação espiritual das religiões orientais.

Quando o tema é espiritualidade, o Ocidente se volta para o Oriente a procura da claridade espiritual. Mas conta-se que à vários brasileiros que visitam o Oriente a procura da Verdade, um monge budista responde: “ Porque procuras a Luz aqui, se Ela brilha no Brasil?”

No Apocalipse, 2: 7, está escrito: "Ao vencedor darei de comer da arvoré da vida, que está no Paraíso de Deus". E ainda, em 2: 28: "Darei ao vencedor a Estrela da Manhã".

Estamos no meio de um Santuário, do Jardim do Éden, mas os olhos do cobiçador só conseguem ver o Eldorado da ganância.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Meu totem



Minha mãe sabe tanto do deslumbramento que eu tenho pelo Uirapuru, que encomendou de uns caboclos de Taraucá algumas penas deste sagrado pássaro da Amazônia, e me deu de presente. Minha santa mãe!Foi ela quem me deu! A pena do Uirapuru!

Perguntaram-me qual o meu símbolo. O Uirapuru. "O pássaro que não é pássaro".

O Poeta, o cantador, o gurú, o líder, o mago, o orador, o guerreiro, o profeta, o protetor, o médium, o mestre, o oráculo.

Ele sim, merece ser chamado de excelência, de majestade, de soberano.

Ele está nos contos, nas crônicas, nas canções, nas poesias, nas lendas, nos mistérios daqui e do astral superior.

Ele é meu totem. E eu tenho prazer em dizer isso, ele é meu totem.

Onde Deus se revela

Encontrei-me recentemente com um amigo, e tomamos juntos um bom café, na livraria Nobel, espaço acolhedor da Neusa e do Ricardo. Conversa vai conversa vem, e ele perguntou-me qual era minha religião. "É católica?". Desconversei. "É católica?", insistiu. Disse a ele que toda minha família foi criada nela, tendo sido eu, inclusive, aprendiz de irmão marista, no seminário de Cruzeiro do Sul.

Continuei dizendo que minha linha era espiritualista e que navegava pelo espiritismo, teosofia, budismo, hinduísmo e hoasca, naquilo que essas religiões tinham de convergente.

Terminei dizendo que Jesus era o Mestre Maior. O Rei que veio agasalhado no ventre da Rainha, pela graça do mistério divino.

Ele ficou um pouco escandalizado, e disse que não acreditava em Deus. Achei por bem encerrar a conversa.

Ghandi já nos ensinava que Deus dá a conhecer aos homens muitos caminhos para se chegar até Ele. O caminho que eu escolhi chega a Deus, e meu Deus não é oculto, é real, e eu O vejo.
Tenho certeza que outras pessoas também chegam a Deus por caminhos diferentes.

Quando meu amigo se preparava para ir embora, um coincidência. Abro numa página do livro Pensamentos, de Pascal, texto 257. Chamei-o e disse, "sabe porque você não acredita em Deus?". "Não". "Pois vou lhe dizer".

"Veja o que o filósofo Pascal, homem de refinada espiritualidade fala sobre o assunto."

Li a parte do texto para meu amigo, onde está escrito, maktub: " Conhecemos a verdade não apenas pela razão, mas pelo coração. É pelo coração que conhecemos as grandes verdades, os grandes princípios, e o raciocínio se esforça em vão em alcançá-los, em combatê-los. O que se conhece pelo coração é mais alto do que aquilo que se conhece pela razão. É por isso que o coração não tem necessidade de mostrar provas para a razão".

O ateu saiu bastante reflexivo. E sinto que ele busca Deus, mas não O encontra, exatamente porque não se dispôs a trilhar nenhum caminho, que não os da razão, onde Deus não faz questão de se revelar. Quando você encontra Deus pelo coração verá de plano que a razão não é tão racional como se julgar ser.

quinta-feira, 27 de março de 2008

E tu, que é gay

Estávamos reunidos numa sala do bloco de História. Era o curso mais revolucionário da UFAC. A maioria dos presidentes do DCE saíram de lá.

Um rapaz, recém filiado ao PC do B, chegou atrasado na reunião, mas bem atrasado mesmo.

O presidente da juventude, marxista-leninista de longa data, começou a dar lição de moral no neófito preguiçoso.

"Você não é comunista de têmpera forte, a revolução vem primeiro que a família, sendo esta uma instituição burguesa. Você é um irresponsável, pequeno-burguês, nunca nem leu o Empiriocriticismo do camarada Lênin, nem o Materialismo Dialético do camarada Stalin."

O pobre coitado não entendeu praticamente nada, só sabia que estava levando um baita dum carão. Mas como era sangue quente, respondeu na bucha, para seu censor, no mesmo nível:

" E tu, que eu já estou sabendo que um gay".

Não foi mais em nehuma reunião, o censurado, usando seu direito constitucional de se associar e de se desassociar a qualquer momento, de qualquer organização.

Meu espírito constitucional

In matus sin canis. Erico Veríssimo


Corria o ano de 1997. Eram altas horas da noite. Estávamos pregando cartazes para eleição do Diretório Central dos Estudantes. Disputa que me deu a vitória.

O último bloco a fazer foi o do Curso de direito, que coube a mim e a uma colega de chapa. Me deu vontade de ir ao banheiro, e fui. Chegando lá, vi uma cena escandalosa. Um homem estava agarrado na cintura do outro, completamente nus, fazendo amor.

Fiquei impactado, num mato sem cachorro. Mas aflorei meu espírito libertário e constitucional, pedi desculpa pela intrusão e fui pregar minhas faixas.
Ninguém pode me chamar de preconceituoso, porque eu respeito as cores do arco-íris. Tenho certeza que eu recebi o voto daqueles dois cidadãos.
Os mais curiosos me pedem para declinar os nomes dos dois pombinhos. Digo que não, nem pista alguma, tenho o dever de guardar segredo. Mesmo não sendo na época advogado, encaro o fato como sigilo profissional, e só posso contá-lo, um dia, talvez, como matéria de defesa, o que a lei me permiti.

quarta-feira, 26 de março de 2008

O diabo tomou conta

" O advogado pode perder a causa, mas não a sanidade" René Ariel Dotti


A Câmara Criminal, à época, era composta do Desembargador Francisco Praça, do Desembargador Arquilau Melo e Feliciano Vasconcelos, que honram nosso Palácio de Justiça.

Ouvimos certa feita do Desembargador Arquilau, que o advogado sofre muito e que quando perde a causa tem o direito de se indignar, mas depois não, precisa ter serenidade e esquecer das batalhas, das que ganhou e das que perdeu, pois senão sua alma passa a viver em constante desalinho. Grande lição de quem já foi um advogado.

Esse momento de irritação já aconteceu com todos os advogados, mas depois passa.

Vou contar a reação do doutor Elias Antunes frente a uma derrota. Elias mora no meu coração.

Às 10h da manhã, o advogado Elias Antunes liga para a secretaria da Câmara Criminal para saber do resultado de um Hábeas Corpus impetrado em favor de um cliente seu.

A secretaria informa que tinha sido negado por todos os desembargadores, à unanimidade.

E no telefone, de inopino, verseja, o criminalista, puto da vida:

"Valei-me Todo-Poderoso
Nosso Pai Celestial
O diabo tomou conta da nossa Câmara Criminal
Composta pelo Praça
O Feliciano e o Arquilau".

A secretária, sem saber o que fazer, fez um sinal da cruz e desligou o telefone imediatamente.

Bicho ruim não morre nunca

" A alma humana é muito grande para ser contida nas estreitezas de uma norma penal." Edilson Mougenout Bonfim

O promotor sustentava a acusação de tentativa de homicídio e desferia incontáveis vitupérios contra o acusado.

Lá pelas tantas o promotor explicava, compassadamente, aos jurados, que "a víiiitima...não morreuuu...por cinscunstâaancias...alheeeeias a vontaaade do ageeeente".

O advogado Elias Antunes aparteou logo depois, com sotaque bem nordestino: " Deixe de besteira, que a vítima não morreu porque bicho ruim não morre nunca".

O Júri, ao analisar os fatos em toda a sua extensão minorou a pena do acusado por ele teria agiu sob violenta emoção logo em seguida a injusta provação do bicho ruim.

terça-feira, 25 de março de 2008

Um Homem que sabe no que acredita

Em um singelo e espiritual encontro com o doutor Jair Facundes falamos de filosofia, religião e direito.
A ele ofereci o livro de Sêneca, A Constância do Sábio, e ele me deu a conhecer seu artigo sobre a hoasca, que publiquei abaixo, com sua autorização.
A defesa que faz da nossa cultura, do nosso chá sagrado, da fé, da religião do nosso povo, de nossas tradições me orgulhou muito.
A hoasca é um sacramento que não não pode ser conspurcada pela voracidade do mundo capitalista, que procura transformá-la num objeto de consumo, vilipendiando nosso pretérito de glórias.
O doutor Jair Facundes não renegou suas convicções espirituais, e sua biografia orgulha o povo acreano.
Aconselho a leitura de seu artigo, consistente, corajoso e autêntico, escrito por um Homem que sabe no que acredita.

Ayahuasca: do sagrado ao mundano. Breve prosa de sua conversão em psicoativo.


Jair Araújo Facundes*

M. (chamemo-la assim): vamos tomar um potente psicoativo? Uma substância de efeito forte, que lhe trará visões várias, estimulando seus sentidos, inteligência, possibilitando percepções diferentes da realidade, expandindo sua consciência, além de permitir enorme autoconhecimento? Respondeu-me: "Deus me livre. isto é droga. Coisa do diabo. Quero não".
-Mas a senhora toma Daime, contrapus.
-Daime é da Divindade, me aproxima de Deus, das pessoas, da minha família. Não é droga.

Em que contexto ayahuasca deixa de ser uma crença e passa a ser apenas uma substância psicoativa? Ou, como querem alguns pesquisadores, quando que o psicoativo passa a ser o sagrado?

O caboclo amazônida, na sua resposta simples, demonstra saber discernir um de outro, como indica o diálogo, verdadeiro, que introduz este texto. A simplicidade de sua resposta resume a complexa questão referente ao uso ritual da ayahuasca e revela como as pessoas, que dela fazem uso, a diferenciam de outras substâncias e/ou de outros contextos. Ao mesmo tempo indica o quanto essa bebida representa como elemento importante na construção de sua identidade cultural.

A ayahuasca, para esse povo simples e caboclo, não é ingerida na busca de sensações psicodélicas, ou como tentativa de esquecer, por alguns momentos, a vida e seus problemas, frustrações e desafios. Ou para se divertir. Ingerem ayahuasca com a serena convicção de que praticam ato de fé, tendo nela meio de comunhão com a Divindade.

Entre os índios, onde se originou a prática religiosa, não há uma forma única de uso, e a multiplicidade de nomes (yagé, mariri, caapi, natema etc) indica a multiplicidade de rituais e de modos de preparo. Apesar das diferenças, uma característica se destaca, pouco importando o nome da bebida ou o ritual: ayahuasca como elemento do sagrado que agrega, que integra o homem ao seu meio, ao seu grupo; ayahuasca como religião, mas não só: ayahuasca como importante fator de identidade, capaz de acentuar e estimular o sentido de pertencimento a um tempo, grupo e lugar.

No meio urbano seu primeiro uso doutrinário é atribuído a Raimundo Irineu Serra, que trouxe ayahuasca, após conhecê-la no Peru, para a cidade de Assis Brasil/AC, em meados da década de 20 do século passado. No fim da década de 40, também no Acre, um discípulo seu, Daniel Pereira de Matos, dá início a outra doutrina, que veio a se tornar popular com o nome de "Barquinha", com caracteres bem distintos. No começo da década de 60, José Gabriel da Costa cria a União do Vegetal, em Porto Velho-RO, atribuindo à bebida o nome de "Vegetal", delineando um uso ritualístico também com características bem próprias.

Particularmente essas três primeiras correntes doutrinárias conseguiram manter ao longo de décadas aquela característica formidável verificada no uso indígena: ayahuasca como ritual, sempre, mas também como importante fator de agregação, de desenvolvimento e fortalecimento da identidade cultural e do sentido de realidade. Ayahuasca que faz com que quem a tome se sinta bem por ser quem é, por estar onde está, em paz com seu tempo e lugar, conectado com sua realidade, seus desafios e seu lugar no mundo.

A expansão da ayahuasca nos grandes centros, com a criação de novas doutrinas e formatos, de novos usos, inclusive o uso explicitamente não ritual e focado apenas nos seus efeitos químicos e objetivos, acabou por revelar aspecto que, conquanto fosse previsível, era (e continua) despercebido: é que aquela característica notável - elemento religioso que não só compõe, mas fortalece a identidade; fator de integração, de elevação da auto-estima individual e do grupo - não é objetiva, não é um efeito automático e necessário da bebida ayahuasca: a só bebida é insuficiente para produzir aquele efeito, aquela característica, ou, pelo menos, na intensidade e duração desejáveis.

É que a só bebida não basta. Se bastasse seria suficiente ingerir DMT (princípio ativo encontrado na ayahuasca) em comprimido. Para além da bebida há o encanto, o mistério, a crença, a cultura: a realidade física mediada pelo engenho e alma humana capaz de criar significados, produzindo algo diverso da pura matéria. Há quem tome ayahuasca acreditando ser possível através dela expandir sua consciência, desenvolver sua criatividade e imaginação, ter novas perspectivas do mundo e de si mesmo, mas esquece que tais efeitos, se há, são resultantes do ritual, da crença, da construção cultural que lhe conforma e não da bebida ayahuasca em si mesma.

Lentamente as pessoas dos grandes centros urbanos do país tomaram contato com a ayahuasca e ficaram deslumbradas com seus efeitos. De logo buscaram doutrinar o mundo inteiro, para usar expressão cabocla. Na pressa levaram só o psicoativo, o substrato material, físico, químico, e deixaram a complexa e delicada prática cultural. Deixaram o encanto, o mistério, o aspecto imaterial e humano que transforma o psicoativo em sacramento, meio de comunhão. Cultura, enfim.

O índio e o uso urbano naquelas primeiras manifestações (UDV, Barquinha, Daime) nunca viram na ayahuasca o psicoativo, o alucinógeno, se por tal entende-se a substância que provoca alucinação, alheia, aliena, tira o senso de realidade, tempo e lugar. Porque não se criou mistura alucinógena: não era este o objetivo, eis que se acredita ter descoberto, mais que criado, meio de comunhão com outra realidade, imaterial.

O foco, intencional ou não, só na química, é que explica porque a ayahuasca, em alguns usos e práticas, não apresenta aquela característica especial, de facilitador extraordinário da integração das pessoas ao seu meio. Ao contrário, apresenta como característica justamente a tendência ao isolamento, como que em fuga desta "sociedade consumista, violenta e injusta", procurando o retorno à vida na floresta, em contato com a natureza e "longe das tentações mundanas".

Ao despir ayahuasca de seu conteúdo imaterial, encantador, tem-se mercadoria, sujeita – como tal - à venda, compra, troca. Numa comparação imperfeita, a hóstia pode ser apenas irrisório pão de trigo, sujeita à venda, mas pode e deve ser ato de comunhão, de valor inestimável. A fé é a diferença entre o trigo e o sacramento.

A fé, o sentimento, o simbolismo é que atribui sentido e significado àquilo que é pura matéria, composto químico. A ausência deste elemento é que explica porque se busca concentrar ayahuasca, fervendo seus componentes além do que cada doutrina diz ser o correto. Para a farmacologia há DMT, em maior ou menor quantidade, conforme a proporção de ingredientes ou fervura. Não há certo nem errado: há composição química.

A doutrina, a fé, o sentido de religião é que estabelece limites e regras, dá noção de certo e errado e confere sentido. A ruptura dessas regras e a criação de novos formatos ritualísticos podem ser feitas. Têm sido feitas, mas dentro da lógica interna que mantém o encanto, o mistério, a fé, para não destruir justamente aquele elemento imaterial que transforma, agrega valor simbólico e significado onde muitos vêem apenas mistura química.

Na atualidade há quem faça novas experiências com ayahuasca, como é exemplo, sua confecção com extração de seus elementos químicos de outras plantas ou a partir da sintetização: DMT, harmina, harmalina etc. Obtém-se inevitavelmente substância que atua na mente, alterando percepções, de qualquer modo revolvendo conteúdos profundos da psique humana. Um psicoativo praticamente idêntico a ayahuasca, quimicamente. Mas será só um psicoativo, incapaz de gerar uma doutrina, um corpo de ensinamentos e princípios sólidos, que proporcionem uma visão de mundo consistente e capaz de agregar, de integrar e estimular o homem a viver com seus semelhantes de modo melhor.

Há outras construções culturais, igualmente complexas e delicadas, que fazem uso de substâncias consideradas psicoativas e que, nos tempos atuais, foram ou estão sendo igualmente distorcidas, esvaziadas de seu conteúdo imaterial e transformadas em simples fármaco.

O peyote é exemplo deste fenômeno: de uso ancestral pelos índios americanos e mexicanos, travou contato com a sociedade de mercado, onde a religião é mais um produto e hoje pode ser adquirido pela internet, individualmente ou em pacote com outros psicoativos, em verdadeiro coquetel. Também com essa substância ocorreu o mesmo fenômeno: houve quem enxergasse no complexo e sutil ritual indígena só a farmacologia. Levaram, de novo, o psicoativo; deixaram o mistério, a cultura, a fé.

A convenção de Viena, de 1971, da ONU, já previa a possibilidade de excluir da ilicitude as substâncias utilizadas de modo ritual . No Brasil, mesmo durante a vigência da Lei 6368/76, que não previa tal hipótese, o Conselho Federal de entorpecentes – CONFEN, enquanto órgão que definia, para efeito normativo, as substâncias que deviam ser consideradas drogas para efeito de repressão, permitiu o uso ritual da ayahuasca. Também o Conselho Nacional Antidrogas – CONAD, órgão que substituiu o CONFEN, permitiu o uso religioso da ayahuasca. Na atualidade, a Lei 11.343/06, no art. 2º, mais sintonizada com a Convenção de Viena, exclui do conceito de droga, para efeito de repressão penal, a substância utilizada em rituais religiosos.

Todos os textos normativos e decisões que reconhecem o uso ritual da ayahuasca representam importantes conquistas e são instrumentos jurídicos que protegem e salvaguardam o direito à pluralidade, à diferença, à liberdade de credo, fornecendo elementos discursivos e normativos instrumentalizadores de sua defesa e sustentação. Há várias pesquisas das ciências humanas, especialmente da antropologia, que embasam tais textos, enfatizando que o contexto, mais que a farmacologia, é determinante do efeito (nocivo ou benéfico) de dada substância psicoativa.

Tais pesquisas e diplomas legais destacam a propriedade psicoativa das substâncias usadas em caráter ritual, conhecendo tais práticas como merecedoras da tutela constitucional das liberdades, como qualquer outra, em condição de igualdade. Em decorrência não é correta interpretação unilateral ou parcial, que vislumbra - naquele reconhecimento de uma religião - mero ato de liberalidade, tolerância, uma concessão, especial mercê do Estado em face de dado grupo. Há várias pesquisas que, partindo deste referencial, estudam aquelas manifestações como algo excepcional, de como uma sociedade - que reprime drogas de abuso - tolera ou admite pequeno grupo que faz uso ritual de psicoativo, ou uso "controlado", implicitamente afirmando que a substância em si é "droga", mas como seu uso está "controlado socialmente", admite-se.

A possibilidade de um referencial diferente, contudo, é possível, na proporção em que veicularia a perspectiva de quem mantém tradição desde o tempo em que a própria noção de Estado era inexistente; para quem não se sente usando, nem quer usar, psicoativo algum. Seriam interessantes pesquisas que não falassem de como grupos perpetuam ancestral tradição indígena, mas, invertendo o foco, de como a sociedade de mercado ocidental transformou religião antiga ou sacramento em psicoativo, alucinógeno, mais um produto no grande mercado, virtual ou concreto, de psicoativos, comprados na farmácia ou na teia global, em cápsula, gotas, injetável etc.

Enquanto construção humana a ayahuasca também reflete velha questão que diz respeito a considerar, ou não, se a realidade se exaure na sua exata composição física e química. Ayahuasca, enquanto elemento religioso, é bem mais, muito mais do que a folha Psychotria viridis, o cipó Banisteriopsis caapi e água, fervidos ou não: são aqueles elementos acrescidos de uma constelação de pequenos atos, sentimentos, posturas, crenças, hábitos, detalhes, que emprestam significado e valor a símbolos, objetos, natureza, plantas, permitindo a experiência religiosa humana no que de mais profundo e transcendente isto representa.

Em relação à ayahuasca, o grande desafio do século que se inicia será a preservação de sua condição de sagrado diante da ansiosa e voraz expansão já iniciada. O risco, imenso, é que não se aceite o ritmo lento, o aprendizado individual, a construção da relação entre homem e o meio social, geográfico, histórico e moral como requisito para formação de lideranças e crescimento pessoal na própria doutrina, e se crie fast religion, ayahuasca de massa, de péssima qualidade e muita quantidade, farta de DMT, harmalina, harmina, B-carbolina e outros alcalóides, porém pobre de significado, vazia de sentido, desconectada do homem, de seu tempo, de sua realidade. Um psicoativo efervescente legalizado, geralmente inofensivo mas distante, bem distante de suas origens e simbolismo.

E então, retomando o diálogo inicial, talvez a pergunta correta não seja "como o psicoativo se transformou em sacramento", mas compreender "como o sacramento passou a ser psicoativo na sociedade contemporânea ocidental".


Jair Araújo Facundes. Juiz Federal – Seção Judiciária do Estado do Acre. Integrou o GMT – Grupo de Estudos Multidisciplinar do CONAD.

A gratidão

"Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho te dou". São Pedro.


Em meados do ano de 2003 defendi um pobre coitado que estava há mais de dois anos preso, acusado de um homicídio que não cometeu.

A defesa foi pro bono, assim falamos quando defendemos para o bem, gratuitamente, movido apenas por ideais. Não deixo de fazer isso. Nunca recusei nomeação no Tribunal do Júri para fazer a defesa de homens carentes. Falam que Deus é Amor, mas para mim a frase que mais consola meu espírito é que Ele é Justiça.

Dediquei-me a causa, de mente e de coração. O acusado foi absolvido por seis votos a um.

Até hoje esse rapaz me liga, e me agradece. Quando pode, deixa na minha casa verdura, galinha caipira, queijo, e até uma rede já me deu, pois é um exímio fabricante delas. Não adianta eu recusar. Ele sempre diz que o que eu tinha feito não se pagava nunca. Respondo sempre: "Eu não, o Espírito da Verdade, fui apenas um instrumento".

Esse gesto de gratidão muitos já receberam, e também sabem da felicidade que nasce na alma do criminalista. Justiça e Gratidão, como Deus está tão presente nestas duas virtudes!




A ingratidão

"Vade retro, satane".


A ingratidão era defeito tão grave que os gregos antigos a consideravam crime.

O advogado, principalmente o criminalista, convive esporadicamente, com esta praga do caráter humano. A regra é a gratidão.

Se a profissão do criminalista dar uma certa glória, o mesmo não se pode dizer do pão que propicia.

Raramente se ver um criminalista rico. Isso fica para os civilistas, tributaristas, previdenciaristas, etc.

Como contraponto, a natureza presenteou os criminalistas com o encanto, o enlevo, a memória no inconsciente coletivo.

O povo não esquece seus grandes criminalistas. No Brasil, Evaristo de Moraes, Evandro Lins e Silva, Valdir Troncoso Peres, Sobral Pinto e tantos outros. No Acre, Adauto Frota, Rubinho Lopes Torres, João Aguiar.

É que o criminalista, para exercer com brilho sua profissão, precisa de todas as virtudes possíveis.

Como dizia Manoel Pedro Pimentel o advogado " deve ter a coragem do leão e a mansidão do cordeiro; a altivez do príncipe e a humildade do escravo; a rapidez do relâmpago e a persistência de um pingo d´água; a solidez do carvalho e a flexibilidade do bambú".

Forçado a ser assim é que sente tanto a ingratidão dos clientes, principalmente a falta do muito obrigado.

Assim aconteceu num caso, já faz algum tempo. Defendia um determinado policial na Auditoria Militar, acusado de vários crimes contra a honra. O Ministério Público botou curto. Com muito esforço a absolvição foi alcançada, em todos os crimes.

Para minha surpresa, quando o julgamento chegou ao final, o acusado se levantou, cumprimentou todos os juízes, agradeceu a todo mundo, menos o advogado, aliás, olhou para este e disse simplesmente," tchau doutor, estou livre".

Falei comigo mesmo, na hora, a frase que Galileu disse para si mesmo também, diante do Tribunal da Santa Inquisição: "Apesar disso, a terra continua girando".

O Ministério Público recorreu da decisão, e eu como tenho um pouco dos gregos, disse ao acusado que por uma questão de foro íntimo, não permaneceria no caso, que ele não me devia mais nada e que eu não devia mais nada a ele.

Só quem já passou por isso sabe do que eu estou falando. Já li em algum canto que a gratidão é sempre um bom honorário.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Meio ambiente, justiça e teosofia

Na sexta-feira de Páscoa, estive conversando com uma amiga com quem tenho afinidades espirituais. Ao longo da conversa, sobre o viés fanático de algumas igrejas (denominações) cristãs, relatou-me um diálogo que manteve com uma integrante de uma dessas seitas evangélicas. Sua interlocutora dizia: "você é uma pessoa boa, mas não vai subir". Isto é, subir para o céu. Por mais que minha amiga tentasse argumentar que era cristã, e que confiava na "Boa Nova" dos Evangelhos, não tinha jeito. "Não subiria". O pré-requisito da salvação – na visão da indigitada evangélica – era dar testemunho público de que aceitava a Jesus, em posição genuflexa, nas escadarias do púlpito do seu templo, aos pés do pastor que lhe lidera espiritualmente. "Aí subiria".

Essa visão estreita da vida espiritual não me fez esfriar a fé, mas me retirou o entusiasmo para a prática dos ritos religiosos. Deixei de freqüentar os templos. Enveredei-me no estudo das religiões comparadas. Montesquieu ensinou: "quando se admira uma estátua, faz-se necessário olhá-la de todos os ângulos". Segui o conselho. Recusei-me ver o mundo e as pessoas apenas pela ótica da minha religião. Tentei compreender a verdade dos outros a partir das suas crenças. Nessa trilha, acabei chegando à Teosofia. Essa sabedoria divina hoje me dá conforto espiritual e motivação para servir à Humanidade. Aliás, a filosofia milenar da Bhagavad Gita exprime essa verdade nos seguintes termos: "Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece".

A pura intuição me levou à Teosofia. Einstein afirmava que a verdade é descoberta pela intuição, precedida pela análise. Jesus não disse que a religião libertaria. Ao contrário, asseverou: "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará". Mesmo porque, com a ciência descobre-se – diz Einstein – os fatos da natureza, mas o homem de consciência realiza valores dentro de si mesmo. A religião, por si só, não faz o homem adquirir consciência. O ser bom não é decorrência de ser instruído numa religião ou ciência. Rohden afirma que o homem pode atingir o pináculo da mais pura ética, sem o recurso de qualquer religião.

No primeiro contato que tive com a Teosofia – a palavra é de origem grega, significando sabedoria divina -, encantou-me o seu lema: "Não há religião superior à verdade". Isto não quer dizer que ela – Teosofia – queira se impor como portadora da verdade. Não. A crença que une os teosofistas é a de que a verdade deve ser investigada em relação às diversas religiões, à ciência e à filosofia. Seus objetivos são os mais generosos em relação à humanidade: "Formar um núcleo de Fraternidade Universal, sem distinção de raça, credo, sexo, casta ou cor; encorajar o estudo de Religião Comparada, Filosofia e Ciência; e Investigar as leis não explicadas da natureza e os poderes latentes do homem".

A teosofia teria algo a nos oferecer? À sociedade acreana, encravada em plena Amazônia? Sim. Annie Besant, em seu livro "Os Idéias da Teosofia", indaga e confirma: "Pensais vós que o pensamento humano é uma força fraca para mudar a natureza humana? Não é antes verdade que o pensamento é o poder que produz todas as grandes mudanças? – Primeiro o ideal, então a ação". As duas nações européias – Itália e Alemanha – que lograram promover suas unidades nacionais, assim o fizeram graças ao ideal que, firmemente, sustentaram seus patriotas. E, diz Annie Besant, "foi somente quando o ideal inflamou os corações dos jovens que houve força suficiente para o auto-sacrificio que seguiu a espada de Garibaldi, e tornou possível para a Itália transformar-se num povo unido". A teosofia inspirou um grupo de idealistas (teósofos), sob a liderança de Gandhi, que promoveu a independência da Índia.

Pois bem, a revista "Veja" dessa semana, traz, em matéria de capa, reportagem sobre a Amazônia. Afirma a revista, em tal reportagem, que o aumento do desmatamento – 30% nos últimos meses – se deve a pequena estrutura de fiscalização e que há falta de respeito à lei, para que a agricultura seja praticada na Região, como fato irreversível. O meio ambiente, diz Rossini Correia, em que o ser humano vive e convive, deve ser objeto de decidida e constante preservação, a ser procedida como um dos direito humanos, de vocação transtemporal, porque projetada, também, para a garantia da qualidade de vida das gerações vindouras, em evidente sinal de que aos atores econômicos, sociais, jurídicos e políticos do presente, compete o grave dever do exercício da co-responsabilidade, quanto aos destinos da humanidade". Os atores, a que se refere Correa, não assumirão sua co-responsabilidade pela preservação da Amazônia, apenas por temor à lei e à fiscalização, como sugere a matéria de "Veja". Os valores para preservação ambiental, provêem de outras fontes.

Mikhail Gorbachev, em discurso proferido no Fórum Global de Kioto, Japão, em 1993, constata o perigo que corre a biosfera. Entretanto, não põe sua confiança na lei e nem na fiscalização para garantia do meio ambiente equilibrado. O valor preservacionista da ecologia, para ele, vem de outras fontes. Afirma: "Sem uma ecologia do espírito e do pensamento, todos os nossos esforços para salvar a humanidade seriam inúteis. Quando a ciência e a racionalidade não podem mais ajudar, há apenas uma saída: nossa consciência e nossos sentimentos morais. (...) Hoje em dia não basta apenas dizer "não matarás". O enfoque ecológico pressupõe, acima de tudo, respeito e amor por todas as coisas vivas. É aqui que a cultura ecológica se encontra com a religião".

A teosofia serviu de inspiração para um grupo de idealistas, sob a liderança de Gandhi, libertar a Índia, sem uso da violência. Poderia sê-lo também para a preservação da Amazônia? Não há dúvida de que isto é possível. Afirma a teosofia: "Porque o pensamento amadurecido, e o desejo amadurecido – são essas as duas asas com as quais podeis subir e atingir a meta que buscais". Diz mais: "Todo aquele que pode pensar pode ajudar os outros; e todos os que podem ajudar os outros devem fazê-lo".

Sob a inspiração dessas generosas convicções da teosofia, que muito poderão contribuir para a preservação da Amazônia, no mesmo jaez em que acredita Gorbachev, a Associação dos Defensores Públicos e a Ordem dos Advogados do Brasil, secção do Acre, promovem, nos dias 21 e 22 de abril do ano em curso, às 19:00 horas, no auditório do SEBRAE/AC, importantíssimas palestras, ministradas pela Dra. Isis Resende, cujos temas são: "JUSTIÇA E TEOSOFIA" e Jung e Teresa D´Avila: Um Encontro com o Inconsciente". Enfim, "Todo aquele que pode pensar pode ajudar aos outros; e todos os que podem ajudar os outros devem fazê-lo".
Valdir Perazzo Leite é defensor público

Cerceamento de defesa

"Errare humanum est"

Com muita relutância aceitei defender um amigo que estava enrolado na Justiça do Trabalho. Para me ajudar, convidei o Dr. Luciano de Melo, mais dado ao direito trabalhista do que eu. O empregado exigia um monte de coisas, e o empregador alegava que ele tinha apenas prestado serviço, sendo religiosamente pago para isso.

Acontece que o empregador, rapaz bastante agitado, escondeu de nós uma parte da verdade. Na audiência, o reclamante fez algumas perguntas a uma das testemunhas, que levava ao convencimento de que, embora tivesse prestado apenas serviço, o trabalhador também exerceu, nos quatro meses em que lá passou, atividades típicas de relações de emprego.

O paciente tinha escondido coisas do médico. Assim comparamos quando pedimos ao cliente que nos conte toda a verdade.

Na tentativa de recuperar os estragos, levantei-me da cadeira, e de fininho, caminhava em direção à porta, com destino às outras testemunhas, para pedi-las que esclarecesse melhor a situação.

Quando fui saindo de mansinho, ouvi o falar irritado da juíza: "Para onde o senhor pensa que vai, doutor, não pode falar com testemunha não". O mundo desabou em minha cabeça. Me senti envergonhado.

Para não ficar por baixo, reagi: "Ninguém pode mijar mais não é, é proibido é?". O que a doutora respondeu: "Pode, mas não no banheiro lá de fora, faça nesse aqui do meu gabinete".

Foi um pecadilho antigo, mas já prescrito. Foi aí que percebi definitivamente que o meu negocio é direito criminal e que a ampla defesa na Justiça do Trabalho não era tão ampla como na da Justiça Penal.

O desmaio

"Os inocentes caem sempre em contradição, os culpados, raramente, pois preparam com cuidado a defesa." Enrico Ferri


O Júri aconteceu na cidade de Tarauacá, no interior do Acre.

Tínhamos orientado o acusado a falar simplesmente a verdade, pois estava claro que ele agira em legítima defesa. Não poderia acrescentar nem diminuir nada.

O réu começou a contar a história, direitinho, tudo como esperado, mas em determinado momento afirmou algo que nos pegou de surpresa. Disse que ao receber um soco de seu agressor desmaiou no chão. Para a tese que nós estávamos defendendo, isso era a ruína.

Meu Deus! Tudo parecia cair ladeira abaixo! Doutora Salete Maia, desesperada indagou, toda perdida, baixinho: "lascou-se, e agora Sanderson?".

De repente me veio um estalo, de imediato. Na época, o interrogatório não era gravado, o juiz o reproduzia para o escrivão digitar. Então disse, severamente:

"Pela ordem, Excelência, o senhor mandou consignar que o acusado disse que se enganou ao afirmar que tinha desmaiado?".

O promotor reagiu de imediato. "Ele não falou isso doutor." "Falou sim", gritei mais alto. "Falou não". "Falou sim". 'Isso é mentira". "É verdade". Os jurados já estavam em dúvida, se o acusado tinha ou não tinha falado. O objetivo estava sendo alcançado.

- "Ele falou isso doutor?" – perguntou desconfiado, o juiz, para mim.

- " Disse meritíssimo, disse, pergunte a ele de novo para a gente tirar a dúvida" – propus.

O juiz, em incerteza, perguntou se ele teria dito o que o advogado estava falando. O acusado confirmou que tinha falado que na verdade apenas caiu no chão, e que não tinha desmaiado.

O promotor balançava a cabeça, furioso. Mas já era tarde.

Bem, se o meio usado pode, para alguns, parecer pouco ortodoxo, o fim não, pois ninguém deve ser condenando por ter agido em legítima defesa. É o mandamento de todas as legislações do mundo, porque nascida do direito natural.

A onça é a força e o uirapuru é a luz

Da união entre a força e a luz nasce a paz, o ideal incessante do ser humano, que agoniza, que chora, que sofre, mas que busca.
O esturro da onça, o rei da floresta, impõe respeito aos outros animais, e os povos da floresta não ousam desacatá-la.
A cantiga do Uirapuru, a rainha da floresta, espalha a luz, e todos os outros animais o ouvem, seguindo-o, e os homens da mata se encantam.
Vi a luz cantando, montada no lombo da força, contemplando a árvore da vida, numa sinfonia de imensa paz, onde rios corriam, onde folhas dançavam.
Em genuflexão todos davam passagem, e todos os seguiam em obediência e humildade, nesse belo jardim, e todos diziam, na perfeita harmonia dos sons, a cada esturro, a cada cantiga :
Dai-nos a luz, dai-nos a força, dai-nos a paz.

quinta-feira, 20 de março de 2008

A Páscoa é isso

"Não devemos permitir que ninguém se afaste de nós sem sentir-se melhor, mais forte e mais feliz". Madre Teresa de Calcutá.

A Bíblia traz uma linda história de dois irmãos que viveram na época do sábio rei Salomão. Ambos eram agricultores e semeavam trigo.
Na época da colheita, o irmão mais velho pensou: " Meu irmão tem sete filhos. São muitas bocas para alimentar. É justo que eu lhe dê uma parte do que consegui." Resolveu colher alguns feixes de sua plantação e deixar, escondidamente, à noite, na terra do irmão mais novo.
Contudo, o irmão mais novo também foi para o campo e pensou: " Meu irmão é sozinho, não tem quem o auxilie na colheita, é bom que eu divida uma parte do meu trigo com ele". E deixou na plantação do irmão mais velho, também, escondidamente, à noite, vários feixes de trigo.
Quando se levantaram pela manhã e foram para o campo, ficaram muito admirados de encontrar exatamente a mesma quantidade de trigo do dia anterior.
Chegada a noite seguinte, cada um teve o mesmo gesto de gentileza com o outro.
Novamente, ao acordarem, encontram seus estoques intactos.
Foi na terceira noite, no entanto, que eles se encontraram no meio do caminho, cada qual carregando para o campo do outro um feixe de trigo. Abraçaram-se com força, derramaram lágrimas de alegria pela bondade que os unia.
Conta a lenda judáica, que sabendo dessa história de puro amor, o rei Salomão mandou construir o Templo do Senhor naquele lugar de fraternidade.
O grande teólogo brasileiro, Leonardo Boff, escreveu um belo livro intitulado Saber Cuidar. Pascóa para mim é isso, saber cuidar um do outro, porque é o amor a manifestação mais pura da presença de Deus no meio dos homens. Isso para mim é Páscoa.
Desejo a todos uma Páscoa de muita paz de espírito e agradeço a todas as pessoas que tem visitado meu blog. Até segunda -feira.

Oh cara chato do caralho

"O silêncio é reacionário". Sartre


O auditório da Universidade Federal do Acre estava completamente lotado.

O reitor foi chamado pelos estudantes e trabalhadores para ver qual era sua opinião sobre um determinado projeto de emenda constitucional que prejudicava a autonomia das instituições de ensino superior do país.

O mais exaltado de todos era o Lott, amigo meu, cabra arrojado, que era então Presidente do Sindicato dos Servidores daquela instituição. A todo momento se escrevia, querendo opinar e discordar do reitor, em tudo, não silenciava, reagia mesmo, a cada titubeio do reitor.

O magnífico era conhecido pelo seu espírito refinadamente grosseiro. Depois de um intervalo feito, tendo o reitor acabado de se assentar na poltrona, o Lott solicita uma questão de ordem ao presidente que dirigia os trabalhos.

Sem saber que o microfone estava ligado, e bem perto de si, o reitor desabafa, só para ele: "Oh cara chato do caralho".

Farinha do mesmo saco

"O diabo tem uma capa com que cobre e outra com que descobre". Enrico Ferri


O promotor tinha pedido a absolvição do réu, pois achava que não tinha como sustentar a acusação com tantos fatos não provados.

Quando o promotor faz isso é comum o advogado enchê-lo das mais belas loas.

" O Senhor é que um verdadeiro Promotor de Justiça, e não de acusação". " Vossa Excelência escreve, nestes anais, seu nome no rol dos grandes Promotores de Justiça". E assim vai, até a beira da mentira.

O doutor Elias Antunes assim fez, com o bondadoso promotor, que pediu a liberdade de um pobre coitado.

Mas, num determinado momento, o advogado começou a criticar outro promotor que tinha atuado no processo, chamando-o de desalmado e cruel, até dizer que não valia nada.

O promotor bonzinho, inadvertidamente, tomou as dores do colega criticado, reagindo: "Êpa, doutor, ele é um homem sério e eu o defendo".

Mal terminou de falar, o advogado apontou o dedo para o promotor e replicou a plenos pulmões: " Sabe porquê o Senhor defende? Porque o Senhor é farinha do mesmo saco!".

quarta-feira, 19 de março de 2008

Só um votinho

"Existem três espécies de advogados: os capazes, os incapazes e os lamentáveis". Robert Susteis


A tática já funcionou pelo menos duas vez com o doutor Jair de Medeiros. Ele é mestre nessa sacada. Com outros fracassam, porque não sabem aplicá-la no momento oportuno e na causa certa.

Vendo que a pareja estava perdida, o doutor Jair de Medeiros afirmou para os jurados que não queria ser derrotado por sete votos a zero, e que pelo menos reconhecesse o trabalho dele, dando um votinho em favor de sua tese.

No Júri brasileiro, o jurado é incomunicável e o voto é segredo, ninguém sabe do voto do outro.

"Só um votinho senhor, um votinho de honra, para mim não perder de feio", dizia em tom triste, o advogado.

Quando a urna abriu o acusado tinha sido absolvido por cinco votos a dois. Cinco jurados ficaram com pena do doutor Jair.

Alguns chamam isso de esperteza, mas eu chamo de capacidade. Hoje a tática não tem funcionado mais, já que os promotores cortam na hora. Mas se dormir no ponto...O direito não socorre aos que dormem.

A astúcia do advogado

"Encontrar um advogado é fácil, o difícil é encontrar o advogado certo". Ernesto Lippman

Li certa feita, no livro do jurista italiano Piero Calamandrei, Eles, os juízes, vistos por um advogado, um breve causo, que bem demonstra, entre outras conclusões, a inteligência da advocacia, que para o filósofo Voltaire, era a mais alta profissão do homem.

O juiz estava muito apressado e queria julgar o caso o mais rápido possível. Já era noite e ele desconfiava que vinha pegando chifre da mulher, queria chegar cedo para dá o flagrante. Mas isso é outra história.

Chegando em sua sala, e antes de sentar, já foi logo comunicando as partes: "Olha, eu juro que quem falar por menos tempo ganhará a causa".

O magistrado deu a palavra ao promotor, que espertamente se levantou e disse: "Meritíssimo, peço a condenação, muito obrigado".

Com a palavra a defesa. O advogado nem se levantou e balançou as duas mãos e a cabeça acenando negativamente.

O Juiz leu imediatamente a sentença. "Analisando as provas do processo, eis por bem absolver o acusado da imputação feita pelo Ministério Público. Registre-se, Publique-se e cumpra-se."

Não é a toa que os filmes americanos reservam aos advogados o papel dos grandes heróis.

Mas teve defesa

"Quando Deus voltou ao mundo, para castigar os infiéis, deu ao Egito gafanhotos, ao Brasil deu bacharéis". Carvalho Neto.


Para quem acha que em certos casos criminais não existe defesa para o réu é porque nunca ouviu a história abaixo. Aliás não existe esse negócio de indefensabilidade.

O réu tinha cometido um crime bábaro contra um desafeto seu. Alegou em seu interrogatório que tinha agido em legítima defesa, mas todas as provas indicavam o contrário. Não é que a palavra do acusado não tenha valor, mas tem que ser confirmada por outros elementos dos autos. A maior de todas as provas é o conjunto de todas as provas.

Pois bem, ao advogado só restava potencializar a versão do reú, e assim fez. Olhou para os jurados, silenciou dramaticamente e começou:

"Senhores Jurados, meu clientizim, estava num barzim, tomando um conhaquizim com seus amiguim, tudo tranquilim".

Fez outro silencio, engrossou a voz e arrebatadamente continuou:

"Quando de repente, entrou um homenzão, puxou de seu cinturão, um revólvezão, e fez bão bão bão".

O bacharéu diminuiu o tom, e maneiramente, com cara de santo barroco, concluiu:

" Vendo aquilo, senhores juradozim, meu clientizim pegou um terçadim e fez pim pim pim pim."

O acusado foi condenado, mas que teve defesa, teve.

O neoludista


" En cada hombre cabe todo lo malo y todo lo bueno". Angel Osório


Conta-se que não era um dos melhores dias para um determinado Desembargador já a muito aposentado, que chegou no Plenário da Câmara do Tribunal de Justiça mostrando-se severo e com um mau-humor danado, que procurava conter.

O advogado chegou cedo para fazer a sustentação oral, em um caso simples, e logo percebeu que tinha que falar pouco.

O Desembargador ao fazer o relatório do processo começou a ler : "apelação criminal de nº tal, apelante João das tantas, advogados fulano de tal e outro".

Parou de ler, levantou lentamente a cabeça, e indagou aos seus pares, vagar e severamente: " Quê? Que negócio é esse de ‘outro’, esse outro não tem nome não, né gente não, não?".

A secretária, ao invés de permanecer calada, arriscou inocentemente uma explicação: "É o sistema doutor, é o sistema."

Ao que o Desembargador retrucou, sob violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da secrataria: "Quê? Que porra de sistema rapaz, a porra do sistema tem que servir o homem, e não o homem a porra do sistema, rapaz".

Bem, só sei que até o cliente também entrou pelo cano, e só foi salvo pelos votos dos outros dois Desembargadores.

Humanamente é assim mesmo, até os "deussembargadores" têm seus dias de fúria.

Constitucionalizar o Acre

"Desejo que a luta mesquinha entre as pessoas suceda a luta fecunda e impessoal dos programas substanciais e das idéias, porque só assim os difamadores de plantão desaparecerão da vida social, ficando apenas sob a fiscalização da consciência pública". Enrico Ferri

Uma proposta de constitucionalização do Acre parece algo abstrato para quem necessita de imediato de alimentação, moradia, saúde e emprego. No entanto, esses bens materiais estão dentro de uma proposta de constitucionalizar nosso Estado. Mas o programa não pode ser completo se deixarmos de lado a defesa dos bens espirituais, ou seja, as liberdades públicas, tão necessárias ao avanço do espírito humano.

O artigo 5º da Constituição Federal ampara direitos e garantias dos cidadãos frente ao poder abusivo dos que dirigem a força estatal. Além da obrigação de respeitar, cabe ao estado criar mecanismos para garantir que todo o cidadão possa ser tratado com a devida dignidade, lhe sendo assegurado o gozo pleno dos seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, nos termos do preâmbulo e do artigo 1º do Pacto de San José da Costa Rica, em pleno vigor no ordenamento jurídico brasileiro.

Quando o poder se agiganta nas mãos de uns poucos, quando se concentra num só partido ou numa só pessoa, quando se baseia sem limites na vontade dos ímprobos e dos maus, fenece o Estado Democrático de direito, não restando outra saída senão a luta corajosa e cívica para recolocá-lo no plano essencialidade, a exemplo dos grandes movimentos históricos de reafirmação dos direitos humanos.

O Estado não foi feito para humilhar, para excluir, para perseguir, para intimidar, para amedrontar, para negar direitos. Eles foi criado para garantir vida harmoniosa e feliz para os povos. Ele se consolidou nos tempos modernos, chamando para si o dever de albergar a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a paz, visando criar para cada pessoa o caminho que leva a felicidade.

Montesquieu afirmava que uma sociedade do futuro, antes de ter homens virtuosos, precisava consolidar instituições fortes.

Mas, discordando do grande filósofo, apoio-me, em outro, Platão, para dizer que a verdade é exatamente o contrário. As instituições não existem por si só, são os homens que as constróem, que as moldam conforme seu caráter.

Uma sociedade do futuro só pode ser construída com homens virtuosos, que amem a liberdade, que abracem a causa de todos os direitos, que reverencie a democracia, que respeite a Constituição, que tenham consciência de que tudo isso deve servir para regeneralização da humanidade, destino para a qual estamos destinados.

Constitucionalizar o Acre é uma proposta concreta, que todos os cidadãos de bem precisam abraçar. Uma bandeira digna de nosso suor, de nossas esperanças. Constitucionalizar significa coloca o poder que o Estado tem, que não é dele, é do povo, a serviço de cada cidadão, sem discriminação de qualquer natureza, principalmente daquela que torna o indivíduo sem direitos só porque não pertence ao meu partido.

Em resumo, constitucionalizar o Acre significa garantir educação, saúde, moradia, emprego, transporte e outros bens materiais coletivos. Mas é também pugnar para que, acompanhado de tudo isso, as instituições se aperfeiçoem e possam atuar sem medo e com independência. Que imprensa seja livre, que o sindicato seja livre, que a igreja seja livre, que o trabalhador seja livre, que o comerciante seja livre, que o pensamento seja livre, que a opinião seja livre, que a palavra seja livre, que a música seja livre, que a arte seja livre.

Isso é compromisso de todos os cidadãos que almejam uma nova era de justiça social. Criaremos assim a cultura da liberdade, que caminhará lado a lado com o desenvolvimento material. Isso significa constitucionalizar, ou melhor dizendo, espiritualizar e humanizar o Acre. Esse é o nosso ideal.

terça-feira, 18 de março de 2008

Lhé como exemplo

" Não se pode abusar do direito de acusar, tornando-o fundamento de maledicência e de rancor". Demóstenes
Frente à uma acusação, segundo Chico Xavier, deveríamos se portar da seguinte forma: "Se for verdade, temos que aceitar, se não for verdade, para quê se incomodar? O Filósofo Sêneca também pensava da mesma maneira em seu grande livro A Constância do Sábio.

É, mais isso é a opinião de um santo e a atitude de um sábio. Um ideal a ser buscado.

Mas enquanto presos ainda às emoções da matéria, não devemos nos conformar. A resignação diante da mentira, quando não é virtude de um sábio ou comportamento de um santo, é a acomadação de um covarde.

Temos que dar licença à indignação, à revolta, ao ímpeto frente à injustiça.

Uma acusação injusta fere, desmoraliza, enlameia a moral de quem é vítima. Temos que cortar a língua mentirosa, invejosa, perseguidora, das almas medíocres.

Clama sem cessar! ensinava o profeta Isaías, e não deixe que a mentira e a injustiça tome conta da terra. Tomemos Lhé como exemplo. Soube praticar a lição, reagiu a altura, frente a uma acusação injusta. Assim todos devem agir, pois o silêncio diante do mal é a procuração que se passa dando poder a quem não tem.

A Verdade é a verdadeira religião

"A Verdade é a Igreja real de Deus".
Lutero
Tenho a felicidade de desfrutar da amizade do Doutor Valdir Perazzo Leite, para quem tiro o chapéu. Homem de grande cultura e de irretocável moralidade, invejável orador, além de um incasável lutador em busca da evolução espiritual.

Nossa amizade é transcendental, por isso verdadeira. Sempre conversamos a respeito de vários temas, dentre eles, religião. Papeamos constantemente sobre o espiritismo, o hinduismo, o budismo, a hoasca, a teosofia. Estamos nos aprofundando na doutrina desta última religião, fundada por Helena Blavatski e Annie Besant.

Ele me emprestou dois livros magníficos de Annie Besant, Os Ideais da Teosofia, e A Vida Espiritual, fundamentos doutrinários que se aplicam no direito, na política, na cultura, em todos os campos da vida humana.

Vivemos na Nova Era, tempo de aperfeiçomento moral e espiritual.

Com essas idéias tenho me aperfeiçoado bastante, como profissional, pai, amigo, filho, esposo.

Para se ter uma idéia da importância da Teosofia, que significa " A SABEDORIA DE DEUS", foi ela quem levou a independência da Índia, sob a liderança de Ghandhi, a Grande alma. Vale a pena conhecer. Toda ignorância leva ao preconceito, ao escândalo e à escuridão da consciência. Temos que ter a mente aberta para que a Verdade possa florescer. E a Verdade é a verdadeira religião. Disse o Cristo: "Conhecereis a Verdade e a verdade vos libertará".

segunda-feira, 17 de março de 2008

A puta velha

"Não conhece o direito quem só estuda o direito"
Holbach

O advogado Jair de Medeiros foi uma das pessoas que mais me deu apoio na minha carreira de criminalista. Merece meu respeito e gratidão. É um poço de experiência. E os mais jovens, como eu, só tem a aprender com ele. Nossa amizade permiti a brincadeira. Abaixo, uma história que só o tempo ensina.

Era um Júri complicado. A acusação tinha provado a culpa do acusado, para além de qualquer dúvida. Por lei, essa é a obrigação de quem acusa. E foi cumprida.

Dr. Jair de Medeiros defendia o acusado, homem alto e forte, já de idade um pouco avançada. Vendo a situação difícil buscou uma saída, alegando aos jurados que antes do julgamento tinha conversado com o delegado que presidiu o inquérito do caso e este lhe teria dito que no fundo acreditava na inocência de seu cliente.

O promotor imediatamente protestou e requereu ao Presidente do Júri que fosse chamado o delegado para confirmar ou negar o que o advogado estava afirmando, com a concordância do Conselho de Sentença. O Juiz deferiu e a sessão foi suspensa até a chegada do delegado.

A advogado se viu numa grande encrenca, a tática não tinha funcionado, "o colar colou" não deu certo. O Promotor estava atento. O que fazer? Ficava branco, ficava amarelo, ficava vermelho, andava de um lado para o outro, sem saber o rumo. Dava uma mordida na sua maçã, outra mordida, mas outra mordida, e a guardava no bolso. Repetiu isso até acabar a maçã, dieta que até hoje segue a risca.

Quando o delegado chegou no Plenário do Júri, de repente, o advogado teve o início de um passamento.

O promotor, com medo de acontecer alguma coisa, propôs a suspensão do julgamento, mas o advogado balançava a mão dando a entender que não precisava tanto, e tornava a respirar cada fez mais ofegante. O Juiz, vendo que a situação estava se complicando, resolveu então dissolver o Conselho de Sentença e marcar nova data para o julgamento.

Já lá fora, o Jair de Medeiros me chamou e disse: "Sanderson eu sei que tu é bom, é um dos melhores oradores do nosso meio", e batendo firme no peito se orgulhava e concluía, "mas antigüidade é posto, e tu tem que aprender muito com essa puta velha aqui!".

Eu fiquei realmente impressionado.

Habeas Spiritus

A terra está para o nosso espírito assim como a cadeia para o prisioneiro. Nossa angustia espiritual é a saudade da liberdade infinita que um dia gozamos, e que perdemos porque violamos a Lei.

A pena divina é justa e individualizada. Devemos pagar por nossos erros para encontramos o caminho de volta, essa é a nossa missão. Missão e expiação.

O Reino de Deus tem Lei, e a Lei é a Palavra. O segredo está na obediência e na humildade. Odediência às Suas Leis e humidade para reconhecer como somos pequenos aprisionados no mundo da carne.

Tudo está gravado na nossa consciência e na memória cósmica de nosso ser. Precisamos do autoconhecimento, e a porta está aberta para todos. Mas só se entra pelo merecimento, a grande chave (chá + ver) que abre para o caminho da perfeição e da felicidade plena.

O encontro do homem com a a natureza divina, está tão perto de nós. Abençoada seja a Amazônia. Aqui está o elixir da longa vida, o santo graal, a pedra filosofal, a flauta mágica de Krishna, os salmos pela harpa de Davi, a voz doce de Jesus. O grande segredo está sendo revelado, os profetas já sabiam dessa canção pungente, dessa manifestação do verbo divino.

Podemos chamar esse estado de completa libertação do espírito de nirvana, mas prefiro chamar de miração, a força bendita que vem da mata, o habeas spiritus concedido por Deus a todos aqueles que procuram a evolução.

Troca de gentilezas



"Os extremos são imcompatíveis com a harmonia".
Miramez


Até hoje a doutora Salete Maia me pede para contar esse fato. Ela morre de rir. Claro que conto com as pitadas do exagero, mas que aconteceu, aconteceu.

Eles não vinham se cheirando muito bem. Promotor Leandro Portela na acusação. Advogada Salete Maia na defesa. Os dois, bons oradores, eram arrebatados. Em estado de sítio iniciavam e terminavam os júris que faziam.

Durante a acusação do promotor, a cada vez que ele concluía uma frase, a advogada fazia apartes murmurejantes, como rum, rum, rá, rá, quê, runrunrurnnnn.

O promotor resolveu então reagir: "Vossa Excelência parece que é louca".

Ela replicou: "Não, não sou, Vossa Excelência que é que doido".

"Não, Vossa Excelência que é louca, fica aí cacarejando".

"Não, Vossa Excelência que é doido".

"Vossa Excelência é louca".

"Vossa Excelência é doido".

A platéia adora isso, estava alvoroçada, gostando do debate. O Juiz presidente interveio, pedindo calma aos contendores. "Calma senhores, vamos manter a postura". Mas não adiantou.

"Vossa Excelência é louca".

"Vossa Excelência é doido".

Daí para diante começaram a esquecer a forma protocolar do pronome de tratamento que vinham respeitosamente usando.

"Tu é louca".

"Tu é doido".

"Tu é louca".

"Tudo é doido".

O juiz, para acalmar os ânimos suspendeu a sessão por dez minutos. Quando do retorno, firmaram a paz, sem baixar as armas. Assim é o Júri. Uma guerra civilizada.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Uma tese difícil de ser pronunciada

"A palavra é tão importante que Deus, antes de criar o mundo, ao dizer "cria-te mundo", havia criado a palavra". César Salgado.

Era ainda cedo quando cheguei no Fórum, e vi vários amigos reunidos. Aproximei-me deles e fiz as saudações de praxe.

Estavam tão concentrados que me responderam vagamente.

Ouvi quando o Dr. Jair de Medeiros, advogado antigo, perito em soltar presos, na base da boa conversa com juízes e promotores, estava falando de um Júri que tinha feito em Brasília, em um caso famoso envolvendo os comparsas de Hildebrando Pascoal.

A tese levantada, segundo o causídico, era rara e ninguém, a não ser ele, sabia sustentá-la no Júri, com desenvoltura e completo domínio. No entanto, não falava o nome da tese, deixando-a envolta em suspense.

"Qual é essa tese misteriosa Jair, que só você e mais ninguém no Acre é capaz de sustentá-la?", perguntou o defensor público Gerson Boaventura, em tom de ironia, e me cutucando, e piscando olhos para os outros advogados.

"É a tese da inechichi....., inelechichi...Como é Sandi, como é Sandi?" Perguntou-me, o nobre advogado, que tinha também dificuldade em pronunciar meu nome corretamente.
"Inexigibilidade de conduta diversa", respondi.
Reconhecendo minha humilde capacidade, democraticamente me elevou a sua estatura: "É essa tese mesmo, só eu e o Sandi, só eu e o Sandi, é que sabe sustentar ela no Tribunal do Júri, e mais ninguém".

A gozação foi geral.

A praga para o além túmulo


"Se a platéia pende para um lado, o Júri pende também"
Pedro Paulo Negrim


Sempre vi o advogado Elias Antunes como um autêntico herdeiro dos famosos rábulas do passado. Não é de grande saber jurídico, mas conhece como ninguém, em sua longa vivência de criminalista, as tragédias da vida humana.

Cearense, poeta, repentista e cangaceiro. Isso, cangaceiro, quem já o viu com raiva sabe que ali está um verdadeiro herdeiro de Lampião.

Homem do Júri e apaixonado pelo Júri. Suas defesas fazem qualquer jurado morrer de ri. E assim aconteceu na defesa de L.M.B.

L.M.B, pedreiro trabalhador, saía de manhã de casa e só voltava a noite. Nunca ficava sem trabalhar. Era casado como G.F.C, com a qual tinha dois filhos pequenos.

Certo dia, ao voltar já tarde da noite para casa L.M.B viu G.F.C nos maiores amores em cima do leito que lhe pertencia, enquanto os filhos dormiam como anjinhos no quarto ao lado.

Transtornado, rapidamente pega uma faca na cozinha, e parte para cima dos dois. O Ricardão consegue escapar pela janela, mas a mulher não. Desfere, sem piedade, loucamente, dezessete facadas em várias partes do corpo de sua mulher.

Submetido a Júri Popular, coube a Elias Antunes a defesa do marido traído.
Preparou com esmero e dedicação a defesa, toda feita em verso, bem ao estilo dos consagrados repentistas.

A cada verso, risos da platéia, risos dos jurados, e risos até do juiz, que ao se dar conta da situação pediu ao Conselho que não se manifestassem de nenhuma maneira.
E continuava brilhante na defesa:

"A mulher infiel é safada
Não tem o menor valor
É uma casa sem telhado
É uma carro sem motor
É uma igreja sem padre
É uma escola sem professor.

Dizem os papas do direito
Em matéria verdadeira
A honra do homem não está
Na sua mulher primeira
Nem pode está situada
Na vagina da companheira.
Mas pode ela residir
Na vergonha que ele passou
No brio do lar conjugal
Que a vítima desonrou
Na traição de sua amada
E no chifre que pegou.

O promotor de justiça, vendo que estava perdendo terreno, e que tudo se encaminhava para a absolvição, resolveu reagir, indignado, dedo em riste, em pé, em tom alto e ameaçador: "O senhor é um defensor de um corno apaixonado". Esticou bem o "r" do corno, fazendo-o tremer.
O silêncio foi total, Elias Antunes aproveitou-o com maestria. Poeticamente se virou para o promotor, e do lento para o rápido desferiu o golpe final, uma praga a ser cumprida além-túmulo.

"Eu quero que o senhor morra
E vá para o além
Conheça a vítima e se case com ela
Para se um corno também".

Uma incontrolável risadada tomou de conta de todo o ambiente. E mais uma vez o juiz riu e os jurados riram.

Assisti a um filme em que o promotor se queixava dizendo "que um júri que ri não é um júri severo". Por seis votos a um o Conselho de Sentença absolveu L. M. B.
Dizem os jurista que não existe a tese da legítima da honra neste tipo de caso. Mas o Júri, o super-legislador, continua a ver melhor o direito.



quinta-feira, 13 de março de 2008

Agora estou também

Bem, agora estou entrando na era da comunicação digital. Tinha minhas reservas. Já estão superadas. Sou assim, quando é para mudar eu mudo. Sou dialético. Eminentemente dialético. Vou usar doravante este blog para pertubar e para revolucionar, a política e o direito. Todos estão convidados para o debate. Só não vale o anonimato, e a baixaria. Isso fica para os que sofrem de idiotia.

Aqui os visitantes encontrarão defesas penais feitas no júri e em outras tribunas. Opiniões políticas, imagens fortes e o que for mais de interessante. Sempre haverá uma opinião.