O nome é fictício, os fatos, não.
Estava em minha casa, já acomodado para dormir, quando alguém bate à porta.
Era um conhecido. Alguém tinha acabado de roubar as cadeiras de balanço de sua casa.
Queria saber de mim se naquela rua morava o Chiquinho, rapaz viciado em drogas e que furtava para manter o vício. Fui professor de história de Chiquinho, tinha uma inteligência invejável. Que pena, trilhou o caminho da angústia.
Disse ao conhecido que o Chiquinho morava ali, sim. Perguntei por que ele queria saber.
"Doutor, esse cabra sem-vergonha roubou minhas cadeiras de balanço, estou indo da parte dele na delegacia."
"Alguém viu?", interroguei.
"Não, ninguém viu, mas foi ele."
"Como você pode dizer isso?", exaltei a voz.
"Ele é o único ladrão dessa área, doutor", respondeu-me.
" Pois vou lhe dizer um coisa, camarada, o Chiquinho, todos da rua sabem, está preso há mais de mês".
"É verdade, doutor?", perguntou, admirado.
"A pura", disse-lhe.
"Meu Deus", falou espantado.
Depois disso foi embora.
Quantas pessoas não são injustamente acusadas, só por causa de seu passado?
Sempre alertamos aos jurados: julguem os fatos do processo, não julguem os antecedentes do acusado. O nosso ordenamento criminal consagra o direito penal dos fatos e não do autor.
O pretérito de uma pessoa serve apenas para medir a quantidade de pena que será imposta, depois de provada a autoria do delito, com fatos reais. Não serve para demostrar o crime, substituindo a prova dos acontecimentos.
Essa lição não se aplica apenas no processo criminal, mas em todos os momentos da vida que somos chamados a julgar nossos pares. E temos por dever julgar decentemente.
"Ó justiça, tu me és tão cara como as gotas de sangue que visitam o meu coração", clamava Shakespeare.
Um comentário:
Gostei da citação de Shekespeare, é o meu dramaturgo favorito, pois como ninguém o cadáver das paixões humanas: o medo, o amor, a verdade e a justiça.
Infelizmente na maioria das vezes somos dominados por essas paixões e acabamos não agindo com racionalidade.
Não amamos verdadeiramente por medo, somos injustos procurando a verdade na superficie da aparencia.
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