quarta-feira, 30 de abril de 2008

A doida e o amarelim

O crime afetou as paixões do povo tarauacaense. Cidade dividida. A vítima era importante membro do partido dos trabalhadores e de numerosa família, também influente. Uns a admiravam, outros, a repeliam, por seu passado de violência.

O acusado, embora sendo natural de Tarauacá, veio morar em Rio Branco ainda menino. Quando para lá retornou, ninguém o conhecia mais.

O clima estava tenso, na cidade das formigas, no dia do julgamento. Escolas suspenderam suas atividades para que os alunos fossem ao Tribunal do Júri. O trânsito foi desviado da Rua do Fórum, a principal de Tarauacá.

Família e partido articulados para condenar o réu. Faixas, cartazes, blusas, panfletos, gente para aplaudir e vaiar. Jurados amedrontados com a ação intimidadora.

Denunciamos isso em plenário de julgamento. Enfretamos o poder. Despertamos coragem nos jurados.

No final, nossa tese de homicídio privilegiado passou, apertadamente. O réu agiu por violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima. A pena foi fixada em quatro anos, em regime aberto, sendo o réu posto em liberdade.

O Júri terminou de madrugada, sendo que o réu veio de imediato para Rio Branco, pela estrada, escoltado por policiais que temiam uma reação dos revoltados.

O juiz nos ofereceu proteção para chegarmos em casa. Recusamos. Sendo Tarauacá nossa terra, não nos intimidaríamos com qualquer ameaça.

Ganhamos um apelido dos familiares da vítima. Eu era o "amarelim", e a doutora Salete Maia, a doida.

Se referiam assim em tudo. "Quem vai atuar na defesa?" "A doida e o amarelim".

"Olha a doida, como está mentindo." "Agora, o amarelim tá confirmando."

"Será que essa doida e esse amarelim vão absolver esse bandido?".

Nós, criminalistas, conhecemos essa deturpação na cabeça de muita gente. Confundem os advogados com seus clientes. Esquecem que somos os cavaleiros constitucionais do direito de defesa, e que todo muito tem o direito de ser defendido, inclusive, aqueles que nos criticam e nos hostilizam.

Se algum dia o destino os lançarem na rede do processo criminal, é a nós, os criminalistas, que irão pedir socorro, e saberão da importancia que tem a palavra sagrada do advogado.

Um comentário:

Anônimo disse...

Encontrar-se preso nas teias da justiça é algo que não desejo ao meu pior inimigo.
Todos deveriam ler, de forma didádica, "O Processo" de Kafka para ter uma noção do que seria isso.
Mas se uma dia eu precisar já sei a quem me reportar a "doida" ou ao "amarelim". (rss).