A polêmica gerada com o suposto tratamento diferenciado dispensado pelo Supremo Tribunal Federal - STF às pessoas com alto poder aquisitivo é falso. Dou o meu testemunho para espancar a dúvida. Atuei em processo crime em que foi decretada a prisão preventiva de um jovem, por suposta prática de crime previsto na antiga lei de drogas. O moço respondeu todo o processo em liberdade. Com a sentença penal recorrível foi decretada a sua prisão cautelar, sem que estivessem presentes os requisitos para tal.
Interpus hábeas corpus para o Tribunal de Justiça do Estado do Acre, dedicando-me com afinco para a liberdade do paciente. Fiz sustentação oral na Câmara Criminal. Não obtive êxito. Impetrei hábeas corpus para o Superior Tribunal de Justiça. A liminar foi negada. Como entendia que se tratava de uma prisão desnecessária, sem fundamentação fática, e que afrontava a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF, bati às portas do Egrégio Pretório. Liminar concedida.
Não há que se falar em discriminação entre pobres e ricos pela Corte Constitucional do país. Os ricos têm bons advogados e conseguem fazer os seus pleitos chegarem à Suprema Corte. Raramente os pobres conseguem fazer com que suas demandas cheguem ao Pretório Excelso. Pode-se afirmar, por isso, que há discriminação contra os pobres por aquela Corte de Justiça? Claro que não. A Justiça é inerte por princípio – ne procedat iudex ex offício. O que está faltando é uma Defensoria Pública, que sirva de instrumento para que o pedido do hipossuficiente chegue aos tribunais superiores.
Assiste total razão ao presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, doutor Gilmar Mendes, ao declarar que a Defensoria Pública precisa ser fortalecida. Sem que esta instituição tenha paridade de armas com o Ministério Público, muitos vão suscitar a proposta demagógica de que é preciso nivelar por baixo, efetuando-se prisões preventivas desnecessárias, de preferência em grandes espetáculos de exposição dos detidos, ricos e pobres. Puro engodo!
A Constituição Federal já apontou o caminho para superação das diferenças de tratamento entre pobres e ricos nos tribunais: Defensoria Pública forte, nos mesmos moldes do Ministério Público, em contraditório perfeito. A voz do Dr. Gilmar Mendes, ecoada nesse momento de crise, é o facho de luz que se coloca diante dos pobres que necessitam dos serviços da Defensoria Pública, para não se deixarem iludir com o "Canto de Sereia" dos que querem passar a impressão de que algumas prisões espetaculares de ricos, desagrava os pobres, diariamente humilhados pelo aparato policial do Estado a serviço de ideologias autoritárias.
Com acerto, a Associação dos Defensores Públicos, na crise da prisão preventiva do banqueiro Daniel Dantas, colocou-se corretamente na defesa do doutor Gilmar Mendes, porque ele é quem estava defendendo o Estado de Direito. Ele não teve medo de colocar seu cargo em jogo, expondo-se ao risco de parecer que estava protegendo um banqueiro; quando na realidade estava protegendo o jus libertatis, direito consagrado na Constituição Federal. Parabéns à Associação Nacional dos Defensores Públicos! Com essa posição, avança a Defensoria Pública como verdadeiro instrumento de promoção dos carentes ao acesso à justiça e a cidadania.
Não é apenas o subscritor que dar seu depoimento de que não há discriminação, entre pobres e ricos, no Supremo Tribunal Federal. A Associação dos Defensores Públicos, que congrega mais de cinco mil Defensores Públicos, afirma, de forma peremptória, de que o crescimento da Defensoria Pública, nos últimos cinco anos, se deve a várias decisões do Pretório Excelso, que estão levando à consolidação da autonomia administrativa da instituição e valorizando o nobre papel do Defensor Público. Registre-se que, para que os pobres tenham acesso ao Supremo Tribunal Federal, faz-se indispensável que as Defensorias Públicas tenham representações em Brasília. Até agora apenas São Paulo, Tocantins e Brasília têm escritórios na capital federal.
Ao fim e ao cabo, para que os pobres tenham acesso ao Supremo Tribunal Federal, onde não existe nenhum discriminação entre pobres e ricos; mesmo porque o modelo constitucional brasileiro não faz distinção de classe, ao assegurar a todos os cidadãos o acesso á justiça, o que se precisa é de estruturação da Defensoria Pública do ponto de vista orçamentário, e que todas as Defensorias Públicas Estaduais criem escritórios de representação em Brasília para que os pobres não se quedem sem a possibilidade de apresentarem recursos e hábeas corpus no Supremo Tribunal Federal.
Mas a Defensoria Pública não só avança pelas palavras corajosas do ministro Gilmar Mendes. Avança também do ponto de vista legal. A legitimidade da Defensoria Pública em propor ações civis públicas foi uma grande conquista institucional. A obrigatoriedade da comunicação à Defensoria Pública das pessoas presas em flagrante que não tenham condições de constituir advogado é também um avanço, como foi importante a obrigatoriedade da presença do Defensor Público por ocasião do interrogatório do acusado.
Finalmente, grande conquista da população carente, que necessita dos serviços da Defensoria Pública, foi a aprovação da Lei n° 11.737/2008, que alterou o art. 13, do Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/2003), conferindo autoridade de título extrajudicial aos acordos de alimentos homologados pela Defensoria Pública, prerrogativa que só era concedida ao Ministério Público.
VALDIR PERAZZO LEITE É DEFENSOR PÚBLICO
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