Nos dias 06 e 07 do mês corrente, a cidade de Rio Branco foi sede de um importantíssimo evento. Com sucesso e aplauso de todos, o Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil realizou o Seminário Internacional: "Saída Para o Pacífico e Áreas de Livre Comércio", no qual se fizeram presentes muitas personalidades estrangeiras, parlamentares federais, estaduais, municipais, líderes empresariais, estudantes e pessoas do povo. No conclave, tive a honra de representar a Ordem dos Advogados do Brasil, secção do Acre, na qualidade de Presidente da Comissão de Relações Internacionais da Entidade. Coube-me o privilégio de falar no importante painel de abertura, cujo tema foi: "Saída para o Pacífico: Por quê e para quê"?
Faz alguns anos que a questão é objeto de minhas preocupações e reflexões. Ao voltar para o Brasil de um evento jurídico na cidade de Sucre, Bolívia, no ano de 1994, a discussão sobre a saída para o Pacífico estava se iniciando, liderada pela Federação das Indústrias do Estado de Rondônia. Imiscui-me na discussão. Fui co-autor do livro "O Bloco Bolivariano e a Globalização da Solidariedade: Bases para um Contrato Social Universalista", escrito sob a liderança intelectual do Dr. Rossini Corrêa. O trabalho tinha como escopo criar um discurso propenso à integração Latino-americana, no seio da população do Norte do Brasil, dirigido, especialmente, àqueles que estavam suscitando o debate, isto é, os empresários.
Foi motivo de nossa preocupação o reducionismo com que o tema da integração era tratado naquela época. Basicamente os empresários propunham a construção de uma estrada que ligasse o Brasil aos portos do Oceano Pacífico, a partir do Estado do Acre. A proposta está praticamente concretizada. A idéia já é uma realidade. Cinqüenta por cento da estrada que liga a cidade peruana de Iñapari a Arequipa, no mesmo país, já está asfaltada. Passados esses anos todos, parece-me que o enfoque da discussão ainda é "A Saída Para o Pacífico", quando o tema, a meu ver, objeto da discussão, em primeiro plano, deve ser a Integração Latino-americana. A saída para o Pacífico deve ser apenas uma das formas de integração, isto é, integração física, que inclusive pode ser feita por outros meios: hidrovias, ferrovias e aerovias.
E porque achávamos que a idéia era reducionista da discussão? Assim entendíamos em razão do que preceitua a Constituição Federal em seu art. 4°, parágrafo único: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações". A propositura de uma simples estrada aos nossos vizinhos poderia passar a idéia de que os objetivos do Brasil eram apenas de prêa e dominação, suscitando temores de que o nosso país pudesse ter a pretensão de exercer uma liderança imperialista na Região do Subcontinente. Fazíamos coro com o que dizia Oliveira Viana: "...o sentido da evolução e da expansão dos povos americanos não é da conquista ou a da destruição e, sim, o da solidariedade, da continentalidade, da universalidade".
Fazia sentido, no inicio dos anos 90, do século passado, a discussão sobre a saída para o Oceano Pacífico. Creio que hoje o mais adequado seria falarmos na Integração Latino-americana, e a saída para o Pacífico apenas como um subtítulo, dentro do capítulo da integração física da Região. O principal é a integração da Região. A saída para o Pacífico é o acessório. Essa discussão tem importância? Tem. Se o tema principal do Seminário fosse a integração haveria espaço para outras discussões que não apenas o aspecto econômico decorrente da construção da estrada. Se poderia também discutir a questão cultural, por exemplo, e nela a questão jurídica. Não se pode falar em integração deixando-se de lado o referido tema. A organização de uma comunidade – Comunidade Latino-americana - como se pretende, passa, necessariamente, pela questão do Direito.
Sendo a pauta de discussão a integração Regional, não podemos pensar apenas nos benefícios desse processo, olvidando-se de outros aspectos. Integração é um fenômeno da Globalização que tem efeitos positivos e negativos. Um dos efeitos negativos da mundialização é a transumância. A migração em massa, na sua esteira, deixa um rastro de problemas, destacando-se: crescimento acelerado da violência contra os excluídos do processo da globalização em seus aspectos positivos, drogadição, xenofobia, criminalidade organizada, subemprego, desemprego, prostituição, alcoolismo, superlotação carcerária dos presídios, menores em risco social, paternidade irresponsável e muitos outros. Bem ainda não concluímos o processo de integração com os vizinhos, já se nota um vertiginoso crescimento da população carcerária de estrangeiros no Acre. Oitenta por cento desses presos são peruanos e bolivianos. Existem comunidades na internet de visível conteúdo xenófobo contra os bolivianos, que trabalham em condições subumanas no Estado de São Paulo.
Pois bem, como dito, o momento é de discussão da Integração Latino-americana. O Acre com sua posição geopolítica privilegiada, posto que fazendo fronteira com dois países da Comunidade Andina, exerce um importante papel para liderar esse debate. Mas, como referido, não pode ficar apenas falando em saída para o Pacífico. Impõe-se a necessidade de se impulsionar a integração que acarreta o progresso , mas sem se perder de vista os problemas que dela advêm. Nesse contexto é que entra o importantíssimo papel a ser desempenhado pela Defensoria Pública. É essa instituição organizada uma das que pode arrostar os grandes problemas oriundos do processo de integração do Subcontinente. A Defensoria Pública é uma das instituições que vai contribuir para que o desenvolvimento sustentável da Região, ora iniciado com a integração física, se dê sob a égide da cidadania e dos direitos humanos.
Para finalizar esse artigo, destaco apenas um problema que a Defensoria Pública do Estado do Acre já vem debatendo há alguns meses, no escopo de solucioná-lo, e que é fruto da integração regional: os presos estrangeiros nos presídios acreanos. O aumento do número de presos estrangeiros se faz sentir à medida que os blocos econômicos se fortalecem. Isso é esperado também na América Latina. Eis porque, o instituto que permite que um preso estrangeiro cumpra pena em seu país de origem, e não no país em que foi julgado, foi disciplinado pela vez primeira na Convenção Européia sobre Transferência de Pessoas Condenadas, celebrada em Estrasburgo/França, em 1983. Em 2004, o Estado do Acre tina apenas 11 (onze) presos estrangeiros. Hoje eles já são mais de 80 (oitenta). A tendência é aumentar com o processo de integração. Portanto, não devemos ser surpreendidos com os problemas decorrentes da integração, sem que para eles tenhamos as devidas soluções. O Acre precisa pensar na transferência dos seus presos estrangeiros para os seus países de origem, fazendo valer o direito internacional dos direitos humanos.
Valdir Perazzo Leite - Defensor Público
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