segunda-feira, 30 de junho de 2008

No barreiro da paca encantada


Lá para as bandas das matas de Tarauacá existia o sobrenatural barreiro da paca encantada, de muita fartura, tatu, veado, cutia.

Conta meu Pai que poucos eram os homens que se atreviam a esperar no local.

A mata tem seus mistérios e encantos. A escuridão impõe medo e exige respeito.

Ninguém ousa desafiar uma voz, um ruído, um movimento, um insulto qualquer das forças ocultas que se manifestam nas noites das florestas.

"Quem tá aí". "Bate mais perto se tu é corajoso". "Oi". "Vai embora". "Quem é?". "Não tenho medo de ti". "Pode assoviar". Êee, meu amigo! Não existe homem para tanto.

Meu Pai diz que é nessas horas que a bondade entra no coração das pessoas. Para sobreviver ele fixa o pensamento na luz, nas coisas boas da vida, no bem, na família, na amizade, na gratidão, em Deus. O orgulhoso pede perdão. O valentão se torna manso. O corajoso se arrepia de medo. O vaidoso conhece a humildade. O incrédulo ganha a fé.

No barreiro da paca encantada era assim, só que um pouquinho pior. Todas às noites, quando na espera, os caçadores percebiam, bem embaixo da rede, pelo o andar, pelo o comer, pelo o ruído que fazia, a chegada de uma paca. Quando focavam a lanterna e miravam a espingarda, nada viam. Quando apagavam, tudo voltava a acontecer. Acendiam, e nada; apagavam, e tudo.

E assim se sucedia à noite toda. Ninguém era doido para falar alguma coisa. Além disso, as redes se balançavam por si só, chicotadas zuniam no ar, passando por perto dos ouvidos dos caçadores e estrondando no chão, por diversas vezes, pancadas fortes. "Vuuummmptpáaaa". "Vuuummmptpáaa". "Vuuummmptpáaa".

Quando a mata percebe que você é suficientemente respeitoso, ela passa a lhe respeitar também, deixando-lhe em paz.

Essas experiências e ensinamentos são repassados para nós com todos os dramas que você pode imaginar. Na forma de falar, ora alto ora bem baixinho, sempre cavernosa; na maneira dos gestos, ora bruscos ora lentos e quase imperceptíveis; no jogo do olhar, ora abertos ora fechados, ora grandes ora pequenos. Encantamento, aprendeu a encantar com a paca encantada.

Meu Pai é um grande contador de histórias, e nas rodadas das conversas ele é o Pajé. Vida longa ao Pajé!

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