O cuidado que se deve ter com os encarcerados é de ordem ética e religiosa. São Paulo, em Carta aos Hebreus, nos exorta: "Lembrai-vos dos prisioneiros, como se vós fôsseis prisioneiros com eles, e dos que são maltratados, pois também vós tendes um corpo" (Capítulo 13, 3). Winston Churchill afirmou que os métodos penais usados por uma sociedade são o índice e medida do seu grau de civilidade. O grande romancista russo, autor de Crime e Castigo, Dostoievski, asseverou: "os standards de civilização de uma nação podem ser aferidos quando abrimos as portas das suas prisões". Falava de sua própria experiência, porque esteve na prisão do império russo, prisão que o inspirou a escrever o clássico "Recordações da Casa dos Mortos". Sob essa benéfica influência do Livro dos livros e de homens que ainda hoje são guias da humanidade, é que nos animamos em discutir o nosso próprio sistema penitenciário, lançando luzes aos fatos e apontando soluções.
O Brasil tem hoje uma alarmante quantidade de presos. Já são 420 mil pessoas encarceradas. Segundo a folha de São Paulo, edição de 25 de dezembro de 2007, p. C1, 120 mil presos ainda não foram definitivamente condenados. Presos provisórios, portanto. Nas cadeias públicas se entulham 60 mil detentos, também ainda não definitivamente condenados. Como conclusão lógica, 40% dos acusados do Brasil ainda aguardam julgamento definitivo. O Estado do Acre, apesar de ter apenas 600 mil habitantes, em seu sistema penitenciário, já acomoda mais de 2.500 pessoas. No nosso caso específico, o percentual de presos provisórios é maior do que a média brasileira. Chegamos a quase cinqüenta por cento. E porque temos esse absurdo de presos provisórios? Eis o primeiro gargalo, responsável por quase cinqüenta por cento dos que estão no sistema penitenciário.
É princípio constitucional encartado no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, do título dos direitos e garantias individuais, que ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. A Lei infraconstitucional, no caso o Código de Processo Penal, como regra recepcionada pela Constituição, impõe ao juiz que as prisões em flagrante só podem ser mantidas se existirem pressupostos da prisão preventiva. Mesmo assim, apesar da clareza solar das regras constitucional e legal, as pessoas, pelos casos mais banais, são mantidas na prisão. A cultura brasileira de ver na prisão celular a única forma de punição é muito forte, ao ponto de um Ministro Estado da Justiça - Francisco Campos -, dizer que: "Governar é prender". A cultura acreana, nesse particular, é caudatária da nacional. Há no Acre uma enorme quantidade de pessoas presas provisórias que poderiam estar respondendo a seus processos em liberdade. A decisão de prender ou manter preso, é ato mais de vontade, por influência cultural, do que legal ou constitucional.
O Sistema Penitenciário, como estatuído na Lei de Execuções Penais, compreende uma penitenciária para os presos que cumprem pena em regime fechado, uma colônia agrícola ou industrial para os que cumprem pena em regime semi-aberto, uma casa do albergado para os que cumprem pena em regime aberto, um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico destinado aos inimputáveis e semi-imutáveis e a cadeia pública, destinada aos presos provisórios. O sistema penitenciário acreano ainda não dispõe da casa do albergado nem da casa de custódia. É o segundo gargalo. José G. V. Taborda, em seu livro "Psiquiatria Forense", afirma que os prisioneiros são uma população com incidência elevada de transtornos mentais – da personalidade e por abuso de álcool e drogas – dado a estresses físicos e emocionais graves. Indica que 10% da população carcerária é portadora desses transtornos, sem se falar nos riscos de suicídio que é bem mais elevado do que dentro da população em geral. A casa de custódia no Estado do Acre esvaziaria o sistema em, pelo menos, 250 detentos, dando-lhes direito de acesso à saúde mental e dignidade.
A globalização provocou grandes deslocamentos de pessoas entre vários países do mundo, e consequentemente aumento da incidência de criminalidade praticada por estrangeiros. O fenômeno não escapou à disciplina das Nações Unidas. O Ministério da Justiça do Brasil, em 2004, editou um manual de "Transferência de Pessoas Condenadas", onde registra a importância do mecanismo legal: "O instituto de transferência de pessoas condenadas para cumprimento de pena em estabelecimentos prisionais em seus países de origem tem cunho essencialmente humanitário, pois visa à proximidade da família e de seu ambiente social e cultural, o que vem a ser importante apoio psicológico e emocional facilitando sua reabilitação após o cumprimento da pena". O Acre já tem mais de 80 presos estrangeiros. Na sua maioria esmagadora oriundos dos dois países vizinhos (Peru/Bolívia), com os quais o Brasil está em intenso processo de integração. O Brasil mantém tratados de transferência de presos com esses países. Impõem-se a necessidade urgente de execução dos tratados.
Por derradeiro, constata-se como gargalo do Sistema Penitenciário acreano, a deficiência na assistência judiciária aos acusados de uma maneira geral, e, em particular, aos próprios encarcerados. O advogado tem papel nobilíssimo reservado pela Constituição Federal. É indispensável à administração da justiça. No seu ministério privado – diz o Estatuto da Ordem – presta serviço público e exerce função social. Porém, no Estado do Acre, os advogados criminais, nos últimos 30 (trinta) anos, não tiveram o incentivo necessário da Ordem dos Advogados, à reciclagem profissional. Façamos autocrítica. Os jovens não se preparavam para o exercício dessa bela profissão. Eis porque, muitos acusados, recebem deficiente defesa em primeiro grau e quase nenhuma no segundo grau. Só agora o Governo decidiu reestruturar a Defensoria Pública. A nova Ordem dos Advogados e a nova Defensoria Pública podem melhorar este estado de coisas, prestando melhores serviços à sociedade acreana.
Assim, no seu compromisso com a segurança pública do Estado do Acre, em agosto do ano em curso, quer a nova Ordem dos Advogados realizar um grande Seminário para discutir os aludidos gargalos, convocando a sociedade para tal, no escopo de solucionar os problemas que ora suscita, contribuindo para a pacificação social.
Florindo Poersch é Presidente da OAB/AC
Valdir Perazzo é Defensor Público
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