Muito se tem comparado o advogado com o historiador.
Formei-me em História pela Universidade Federal do Acre, e por quase uma década fui professor, ensinando e aprendendo com meus alunos a encantadora beleza daquela que o advogado Cícero chamava de a mestra da vida.
Ao optar em ser advogado não sabia que exerceria tão profundamente meu ofício de historiador, e também não tinha ainda a clareza que ao fazer história estava palmilhando meu caminho para ser advogado.
Diz o famoso advogado Calamandrei: "Assim como a magnanimidade do historiador põe em evidência os gestos heróicos daqueles fatos que, no relato de um cronista medíocre, pareciam insípido e desprezível episódio, também nos processos penais, os fatos se ajustam à medida intelectual e moral do advogado".
O advogado age sobre a realidade como o historiador, que recolhe os fatos de acordo com um critério de escolha por ele preestabelecido, e despreza os que, à luz desse critério, parecem-lhe irrelevantes. Também o advogado, como historiador, trairia seu ofício se alterasse a verdade contando fatos inventados; não o trai enquanto se limita a colher e coordenar na realidade bruta apenas aspectos vantajosos à sua tese."
Esclarece o advogado Carnelluti: "Não é mistério que no processo, e não só no processo penal, se faz história. Um fato é um pedaço de história; e a história é a estrada que percorrem, do nascimento à morte, os homens e a humanidade. Um pedaço de estrada, portanto. Mas da estrada que se fez, não da estrada que se pode fazer. Saber se um fato aconteceu ou não quer dizer, portanto, voltar a trás. Este voltar atrás é aquilo que se chama fazer a história. E é isso que o historiador faz." E é isto que o advogado faz.
O que vale para o advogado em relação a história também vale para o promotor e também vale para o juiz. "O juiz é um historiador, com a única diferença entre a grande e a pequena história. A que o juiz faz, ou melhor, reconstrói, é a pequena história, mas não menos importante", completa Carnelutti.
Aquilo que o homem é e aquilo que o homem fez só se conhece por meio da história, da busca no seu passado, das provas, das circunstâncias de sua vida pretérita, de sua vida em todos os aspectos, familiar, social, cultural, econômica.
Isso se explica porque tantas pessoas formadas em história sentem um atrativo especial pelo mundo do direito, e porque tantas pessoas do mundo do direito buscam na história os fundamentos de sua ciência. O mundo do direito é o mundo da história, e o mundo da história é a busca pelo mundo do direito. Thêmis e Clio, duas musas amadas do reino do saber.
Como dizia Eric Hobsbawmm, o ofício do historiador é lembrar o que os outros esqueceram. E muitas pessoas esquecem que o homem que senta no banco dos réus, não é um mero objeto de nossas aplicações jurídicas ou exposições jornalísticas, e cabe ao advogado lembrar a todos que aquele homem também é um ser humano como nós, e que só a partir da reconstrução minuciosa dos fatos é que saberemos a verdadeira história, o que realmente aconteceu. E da história se fez esse grande princípio: "ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória". E isso também se esquece, mas vale apena lembrar.
Um comentário:
Obrigado por suas palavras , caro Sanderson.Seu texto arranca uma angustia do meu coração, porque percebi que historia e direito nao são incompatíveis, e o exercicio de um,no caso , o direito ,não prejudica o amor pelo outro.OBrigado, muito obrigado.
Postar um comentário