segunda-feira, 2 de março de 2009

O mal que o mau faz

O doutor Elias Mattar Assad, ex-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas enviou-me o texto que segue. Sem dúvida uma grande reflexão a respeito do sistema criminal do nosso país. Aconselho que todos leiam com atenção.

Fosse no Brasil o caso protagonizado por Paula Oliveira, na estação ferroviária da cidade suíça de Dübendorf, onde, segundo ela, teria sido atacada por "skinheads", os desdobramentos poderiam ser outros. Imediatamente a polícia prenderia pessoas com as características indicadas, gerando violentas reações populares pela ensurdecedora repercussão da imprensa. Os suspeitos seriam de pronto reconhecidos para o gáudio do juiz justiceiro de plantão que, "ad cautelam", decretaria prisão preventiva "para garantir a ordem pública e assegurar a aplicação da lei penal..." O MP fecharia questão, desembargadores e ministros manteriam as prisões premidos pelo clamor midiático.Após, mudaria o foco para o movimento "skinhead", a intolerância, a violência, a vítima, a "perda da dupla gravidez" a arrancar lágrimas da massa ignara em clássico exemplo de paranoia coletiva...

O defensor seria hostilizado até pelos seus próprios filhos: "como é que o senhor aceitou uma causa como esta?" Parlapatões em rede nacional: " quem defende bandidos, bandido é!" "Tinha que ter pena de morte e prisão perpétua no Brasil!" "A defesa ataca a vítima e diz que os acusados são inocentes; que a gravidez seria uma farsa e que os ferimentos decorreram de autolesão!" Em quadro por demais conhecido: a "vítima" dando entrevistas nos meios de comunicação enquanto os acusados monstrificados, ficariam expostos a linchamentos fora e dentro das prisões...

São calamidades artificiais que os maus desencadeiam. Uma pessoa má ou doentia, incorre em autoacusação falsa, caluniosa denunciação por "delação premiada", etc. Um mau delegado de polícia, desprezando normas técnicas, pede prisões com ampla cobertura da mídia. A parte interessada, morbidamente, reconhece os suspeitos presos ("carecas e jovens") que lhe apresentam... Com indução de maus peritos, maus acusadores, juízes e referendum dos tribunais, estaria "coroada a obra..."

Bastaria um bom na cadeia de erros! Um bom jornalista levantaria várias possibilidades, entre elas as que foram elencadas na Suíça. Bons peritos, bons policiais, como aqueles que estão de parabéns pelo verdadeiro show de ciência aplicada, previamente buscando provas sobre a existência do fato declarado. Um bom assessor do nosso governo teria recomendado a ultimação das investigações para pronunciamento oficial. O desgaste não foi maior, por ser aquele governo comedido. O periódico Neue Zürcher Zeitung, ironizou o presidente Lula e afirmou que a mídia brasileira "regularmente publica notícias de fatos totalmente inventados, acusações que já destruíram a vida de outras pessoas".

Com um bom advogado, o Judiciário suiço poderá acolher teses defensivas, entre elas, na pior das hipóteses, de Paula ter agido sob domínio de "sideração emotiva(1), recentemente admitida pela psicopatologia forense americana, baseada em profundos trabalhos de psicologia, como uma nova entidade nosológica. Trata-se da autoindução do agente que inicia com uma sugestão, quase subliminar e a prossecução, desenvolvimento e ação dá-se por inércia a retirar-lhe a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de conduzir-se de acordo com esse entendimento." Nesta teoria, Paula, por várias razões de ordem sentimental seria levada a simular gravidez e argumentos para justificar a "perda".

Nossa solidariedade e respeito ao pai de Paula Oliveira, que foi prudente em afirmar: "Em qualquer circunstância, minha filha é vítima (...) ou de graves distúrbios psicológicos, ou da agressão..."

Portanto, fosse no Brasil, dentro da nossa hipótese da "sideração emotiva" do agente, talvez chegasse o dia em que os personagens do exemplo seriam libertados. Além dos azares da injustiça da jurisdição penal, poderiam experimentar dos não raros juízes injusticeiros da civil, indenizações miseráveis pagas em precatórios esbulhatórios...

Com razão o STF quando prestigou, recentemente, a regra da prisão apenas com trânsito em julgado!

Elias Mattar Assad é ex-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas,eliasmattarassad@yahoo.com.br

Nota(1)Termos de laudo médico nº 148/95, subscrito pelos psiquiatras Tito Moreira Salles e Ivan Pinto Arantes, do Complexo Médico Penal do Paraná, citado In Psychiatry on line Brazil, em precedentes de desclassificação para homicídio não intencional, em caso que trabalhamos na defesa.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sinceramente, quando visitei seu blog pela primeira vez fiquei fascinado pela forma, e pela ousadia que você expõe seus pensamentos, e ensinamentos.Sou um jovem acadêmico do curso de Direito que não passo um dia sem ver seu blog.Aprendo bastante com seus ensinamentos, e com suas dicas.Eu como acadêmico de Direito agraço a você, pois você nos ajuda a ver além das salas de aula,e a ver com outros olhos o fascinante mundo do Direito. R.P.F

Anônimo disse...

O texto é de uma coerência e veracidade que choca até mesmo aqueles que já sabem disso.

É inacreditável como o dinamismo social não consegue mudar situações clássicas. Não é de hoje que se fala que no caminho para a justiça todos devem estar comprometidos, pois se um agir em desacordo com sua finalidade, viciará todo o processo, seja material ou formalmente.
Clássica também é a afirmação, pelo menos no Brasil, que “quem defende bandido, bandido é”. A sociedade em geral não tem a consciência que o advogado criminalista não defende a suposta conduta de seu cliente, nem mesmo o caso em si, mas sim os direitos que o acusado tem, bem como seus próprios valores de ser o melhor profissional que puder.
Enrico Ferri defendia que o crime era uma somatória de fatores sociais, econômicos, antropológicos, culturais etc., mas acredito que todas as ações são conseqüências lógicas disso. É da conduta humana julgar mal, por exemplo, uma advogado que defende um cliente acusado de um crime repulsivo, mas ao necessitar de advogado, é comum procurar este mesmo advogado, caso este tenha logrado êxito na defesa daquele acusado. As atitudes que tomamos, bem como as que deixamos de tomar são resultados inevitáveis da somatória de nossos valores e nossas necessidades.

Uma atenção especial à psiquiatria forense que, não só no caso em tela, demonstra uma importância absurda nos caminhos da justiça criminal. Acredito que deveria ser melhor abordada nas faculdades. Tenho alguns livros de psiquiatria forense e posso afirmar sem sombra de dúvidas que é algo fascinante e de grande utilidade para compreender o alcance e a importância da defesa e da acusação criminal.

Excelente texto!
Abraço, Sanderson!

Anônimo disse...

Ah sim, perdão pelos comentários excessivamente longos! Sei que para um simples comentário pode até mesmo ser cansativa a leitura, mas as vezes acabo me empolgando com o tema!