quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A (in) consciência jurídica

As pessoas, em geral, são mais receptivas à acusação do que à defesa.

Se você acusa alguém pela imprensa quase a totalidade das pessoas acreditam. Mas se essa pessoa se defende, quase ninguém dá ouvidos a ela. No primeiro caso não se precisa de provas, no segundo, se exige todos os tipos de provas para se demonstrar a inocência, e no mais das vezes isso não basta.

Antijuridicamente chamamos isso de presunção de culpa, ao invés de considerarmos que todos são inocentes antes do transito em julgado de sentença penal condenatória, nos termos da Constituição Federal.

Psicologicamente, e embora seja um aparente paradoxo, aceitamos uma acusação mais facilmente porque no fundo sabemos que somos criminosos, perversos, malvados, e se fulano é acusado daquilo é porque fez mesmo, e se está se defendendo, suas palavras são mentirosas. Ou seja, eu sou ele revelado, mas não sou eu ainda, é ele, porque eu não fui descoberto... e que bom que foi ele... esse bandido sem-vergonha, ladrão, estuprador, corrupto, pelo menos sou melhor do que ele.

Não basta, portanto, que a lei presuma a inocência de uma pessoa acusada.

Se a sociedade for incivilizada, se o juiz for incivilizado, se o indivíduo for incivilizado, continuaremos a amargar as consequências funestas desse grau civilizatório.

Quanto mais civilizada, quanto mais educada, quanto mais verdadeiramente moralizada, e espiritualmente evoluída, mais a pessoa dá menos ouvidos as espetaculosidades das acusações, ponderando-a, e analisando-a, e examinando-a, a partir de valores universais.

O grau de civilização de uma sociedade é medido na forma como ela recebe uma acusação, se o que vale é a presunção de culpa ou se a presunção de inocência.

Lendo o livro o Processo do Dr. Jaccoud, de Carlos Lacerda, julgamento ocorrido na Suiça nos idos da década de 60, onde um famoso advogado foi acusado do assassinado de sua amante, pude perceber na leitura a discrição e até mesmo o acanhamento dos jornais e das pessoas em comentar o assunto, não por medo, mas por não sabe se o acusado era mesmo o autor do crime como dizia a denúncia ministerial.

Deixo a reflexão:

Quanto mais inteligente é uma pessoa, mais consciência jurídica ela tem, mais registrado fica, em seu espírito, o respeito ao princípio da presunção de inocência. Se ele aje diferente é porque não é portador, no fundo, da verdadeira inteligência que move os homens de bem.

2 comentários:

Ítalo Gustavo Leite disse...

Tenho esse livro ao alcance das mãos neste momento. É brilhante. CArlos Lacerda escrevia como ninguém. A análise que ele fez desse caso é digna de CAPOTE(A SANGUE FRIO).
E toda vez que leio lembro que o autor foi um verdadeiro demolidor de presidentes, um orador brilhante. O Evandro Lins e Silva publicou no BAÚ DO GUARDADOS uma carta enviada ao filho de LACERDA em que ele perdoa o ex-governador da Guanabara dos seus exageros. O Ministro confessou que Lacerda o humilhou num debate na TV; Evandro não esperava o exagero da acusação e principalmente de quem partia.
Mas voltando ao livro é algo brilhante.
Parbéns pelo blog. E por seus bons textos.

Sanderson Silva de Moura disse...

Valeu Ítalo or enriquecer o texto com suas valiosas informações.

Abraços

Sanderson Moura